Na minha primeira manhã fora de
Portugal, acordo com as brincadeiras da Nia, a filha da Iva. Tem 6 anos, é
linda e muito simpática. Tomamos o pequeno-almoço juntos enquanto a Nia vê os
desenhos animados. Entretanto pede à mãe para meter no youtube a sua música
favorita, um hit de verão de um artista búlgaro. Quer fazer a coreografia para
eu ver!
Hoje vou aproveitar o dia para
conhecer a cidade e fazer algumas compras para a viagem: duas botijas de gás
para o fogão de campismo, um mapa com os trilhos das montanhas onde vou
caminhar nos próximos dias e, se possível, encontrar uma boa loja de bikes,
porque o meu desviador traseiro ficou a funcionar mal depois da viagem. Sigo o
conselho da Iva e apanho o eléctrico até ao centro da cidade, onde vou me vou
juntar ao free Sofia tour, que tem lugar todos os dias às 11h e às 18. Dura
duas horas e é feita por voluntários que compõem um grupo de 30 pessoas. É uma
óptima forma de ficar a conhecer a cidade através de uma pessoa local.
Para apanhar o eléctrico tenho de
comprar bilhete num qualquer quiosque que se situe perto de uma paragem. É isso
que faço. O problema é que a senhora por detrás o balcão não percebe o que
pretendo. Faço gestos, aponto para a linha, para o eléctrico, mas nada… o
senhor que está atrás de mim na fila diz a palavra mágica (bilhete) em búlgaro
e em 30 segundos tenho o ingresso na mão. As linhas ficam no centro da estrada…
isso quer dizer que cada vez que um eléctrico pára para largar ou recolher
passageiros todos os veículos param atrás deste para que os peões atravessem a
estrada em segurança. Para validar o bilhete existe um mecanismo de metal que
faz 3 furos no papel! Balançando de um lado para o outro, chegamos ao centro em
5 minutos.
Desço na paragem perto do local onde irá ter início o tour. Assim
que coloco um pé no passeio vejo um rapaz com um mapa de montanha parecido ao
que eu vou precisar. Meto conversa, digo que vou precisar de um igual e se ele
me pode indicar onde comprou aquele. Diz que é numa loja ali muito perto e
dá-me as direcções! Mais 100 metros e estou em frente ao imponente tribunal de
Sofia, é lá que tem início o tour. Sou recebido com um cumprimento da guia e
com as habituais perguntas (de onde sou, o que me traz aqui, etc.). Ao meu lado
estão dois canadianos. Ela trabalhou os últimos 5 meses na Albânia e está agora
a aproveitar as últimas semanas para viajar, antes de regressar ao outro lado
do Atlântico. Ele anda a viajar pela Europa há algum tempo. O tour desenrola-se
pelos locais mais importantes da cidade, acompanhado duma descrição rápida da
história da cidade e do país. O centro
histórico é pequeno por isso 2 horas são mais que suficientes. Destaque, além
de todas as igrejas, mesquitas, sinagogas, construções romanas, medievais e soviéticas,
para o maior engano aos visitantes… no centro da cidade há uma estátua com a
Rainha Sofia, o que faz supor que daí tenha surgido o nome da cidade. Puro
erro. Os governantes ignoraram a história (a da igreja de Sta. Sofia, a que, verdadeiramente,
fez a cidade ter esta designação) e acharam que uma rainha bonita é melhor que
uma igreja com séculos de história.
Após as despedidas almoço e vou à procura
da loja de montanhismo para comprar o mapa com os trilhos das montanhas de
Rila. No emaranhado de ruas que me levam até lá descubro, por acaso, uma loja
onde vislumbro 2 botijas de gás! Melhor…também têm cadeados, uma das coisas me esqueci. Compras feitas, vou até ao supermercado porque me comprometi
a fazer o jantar. Um creme de batata e cenoura para entrada e uns filetes
panados para acompanharem o arroz de espinafres que sobrou de ontem. A Iva diz
que está bom…eu quero acreditar que sim! Ao chegar a casa fiquei surpreendido…a
Nia brincava sozinha com os amigos na rua. Pergunto à Iva se é normal por aqui.
Ela diz que sim, que nesta zona não há qualquer problema. Digo-lhe que no meu
país há um medo tremendo de deixar as crianças brincarem na rua nas cidades.
Enquanto procuro uma loja de
bikes através da internet descubro que me esqueci de outra coisa… o carregador
da máquina fotográfica. Além da máquina ter sujidade no sensor, o que coloca 2
pontos pretos em cada foto, só me faltava mais esta! Pergunto à Iva se conhece
alguma loja de produtos em 2ª mão. Depois de uma pesquisa rápida na net,
encontra uma loja de penhores que vende máquinas em 2º mão a bom preço. Vejo
uma que satisfaz as minhas necessidades e tiro o endereço. Antes de deitar
ainda ficamos um bocado à conversa. Tenho sorte porque a Iva é uma pessoa com
uma formação e educação excepcionais, o que me faz ter uma visão do país muito
fidedigna.
No 2º dia na cidade ajusto uns
componentes na bike e vou à loja que vi na net. Dois jovens atendem-me e num
minuto a bike está no suporte para ser inspeccionada. Dizem-me que o desviador
traseiro foi forçado, deve ter sido do peso das bagagens em cima da caixa, durante o transporte. Em 7 minutos, soltam esticam e fixam cabos, verificam travões e todos os
componentes da bike e ainda me dão alguns conselhos. Experimento… está perfeita!
Nunca tinha visto nada assim! Perguntam-me o que faço aqui, para onde vou. No
final perguntam-me: “nisto?”. “Claro” – respondo, depois de contar a viagem que
este veículo já tem no currículo. Agora está na hora de ir até à loja de
penhores. Depois de um engano na morada, lá estou eu. Já não têm a máquina que
tinha visto na net… mas têm outras e, melhor ainda, mais baratas. Por 25€ fico
com uma superior à minha! Vou ao centro da cidade tirar
umas fotos de jeito com a “nova” máquina.
No parque principal da cidade passo pelo complexo do mítico Cska de Sofia. O estádio está decadente. Dias depois virei a saber que o clube búlgaro mais bem sucedido de sempre havia declarado falência na passada semana.
Quando enviei vários pedidos de
couchsurfing para a minha estadia em Sofia, tive uma resposta surpreendente em português… a
Polina escreveu-me a dizer que tinha muita pena de não me poder alojar, mas ela
e a família estão em mudanças. De qualquer forma diz que pode dar uma volta
comigo pela cidade e, melhor, que conhece muito bem as montanhas para onde vou
nos próximos dias! Envio-lhe um sms. Digo que vou estar pelo centro da cidade
ao final da tarde. Responde-me a dizer que está com o filho, que não dá para
passear, mas que podemos ir a uma cervejaria perto da casa dela. Por mim está
óptimo! Encontramo-nos na saída de uma das estações de metro. É muito
simpática, tal como o Sacha, o filho de 4 anos. Conta-me que viveu em Portugal 5
anos, em Braga, o tempo que o marido lá esteve a fazer o doutoramento. Diz-me
que gosta muito de Portugal, que é muito agradável para se visitar, mas não é o
melhor dos países para se viver… os salários são baixos. Sorrio e concordo!
Sentamo-nos na cervejaria e peço uma salada de queijo ralado deliciosa!
Conto-lhe os meus planos para os próximos dias! Diz-me que os 7 lagos estão
cheios de gente e lixo por causa da quantidade de turistas que a construção da
telecadeira, que faz a ligação entre o resort de montanha e a base dos lagos (600 metros mais acima) trouxe. Antigamente eram 2 horas caminhada, que agora são vencidas em 20 minutos em troca de 7,5€. Diz-me
que se quero ver lagos, existem outras zonas do parque muito bonitas e com
muito menos turistas. Eu também não concordo com esta massificação do turismo
de montanha, nem quero fazer parte dela, por isso sigo os conselhos da Polina! Depois
de terminarmos, dirigimo-nos a casa dela. Eu sigo para casa da Iva. No
caminho, enquanto vamos conversando, o pequeno Sacha corre e salta pelo
passeio, sozinho. Quando chega a um cruzamento pára, espera por nós! Não
precisa de alguém que lhe dê a mão e esteja sempre a dizer para ter cuidado com
os carros. A Polina diz-me ainda que é uma pena a rede de ciclovias da cidade
ainda ser muito incipiente, pois o Sacha já sabe andar de bicicleta e assim
podia levá-lo ao jardim-escola no seu meio de transporte favorito! Enquanto ela
me conta isso penso que na minha terra também estava planeada uma ciclovia mas
que, no final da construção, acabou por sair uma gincana para bicicletas e
peões, com os postes de iluminação “plantados” quase no meio da estrutura.
Despedimo-nos. Tenho pena de não
termos passado mais tempo juntos. Enquanto me desloco para casa vou delineando
o plano para os próximos dias, com base naquilo que a Polina me disse. A caminho de casa passo novamente por um aparato policial enorme, que se prepara para supervisionar as manifestações que ainda não pararam. A Iva
ajuda-me e diz que posso deixar a bike durante esses dias lá em casa e depois
voltar. É o que vou fazer. Sou um sortudo, estou rodeado de gente fantástica. Apanharei o autocarro das 10:20 para o Mosteiro de
Rila e, a partir daí, caminharei até ao chalet de montanha mais próximo para
passar a noite. Faço a mochila e deito-me entusiasmado com o que me espera.