quarta-feira, 31 de julho de 2013

Mavrovo

A primeira prioridade do dia é ir à procura de uma máquina fotográfica! Depois de alguns ziguezagues pela cidade lá encontro uma loja pertencente a uma cadeia internacional. Compro a máquina mais barata. A partir de agora tenho uma regra de ouro: colocar sempre o fio da máquina à volta do pulso antes de tirar qualquer foto. Antes de deixar a cidade passo pelo trabalho do Ardi e sou convidado a tomar uma Boza - bebida típica albanesa - no café em frente. Conversamos, trocamos pontos de vista, contactos e ficamos amigos.




Sigo para Mavrovo, o local onde planeio ficar hoje acampado, nas margens do lago com o mesmo nome. O mapa marca cerca de 30 km até lá, mas quase sempre a subir, porque o lago fica a 1200 metros de altitude. Mais uma vez procuro uma estrada que siga mais ou menos paralela à principal, para evitar o trânsito e os camiões. As aldeias vão-se sucedendo com cada vez menor frequência, dando lugar à floresta e à tranquilidade, só quebrada pelos chamamentos das mesquitas para a oração. Perto da hora de almoço encontro uma povoação perdida na vertente da montanha. Se quero comprar alguma comida vai ter de ser agora. Entro num mini-mercado que só tem bolachas, chocolates e guloseimas. Não precisa de ter mais, os restantes alimentos as pessoas cultivam no quintal de casa. Estão duas raparigas muito jovens atrás do balcão a jogar no portátil. Faço gestos para pedir o que quero levar e de umas hesitações e enganos pergunto à mais velha se fala inglês “Yes! What do you need?” – responde com uma dicção perfeita.




Abastecido, sigo montanha acima até encontrar a estrada principal, por onde terei inevitavelmente de seguir até chegar ao cruzamento para o lago. Uns quilómetros à frente e vejo, na faixa contrária, um camião avariado. Paro e pergunto se falta muito para o cruzamento. O homem atravessa a estrada coberto de óleo por todos os lados, diz-me que estou quase lá e pergunta-me de onde sou. “Ohh! Portugalia!!” E esfrega o polegar e o indicador, sinal universal de dinheiro. “Mau! Queres ver que este chefe agora quer dinheiro?” – penso eu. Claro que não! Que pensamento mais parvo! Percebo isso quando este continua a esfregar os dedos e diz “Portugalia!! Crisa!!” – atira. “Ah pois é amigo! Crisa, crisa! Aquilo lá está do pior! Nem as aves migratórias lá querem parar com medo de levarem com uma taxa qualquer do governo” – penso eu e a rir ao mesmo tempo! Respondo com um suspiro e um “Oh yes! Crisa, crisa!!!”
Depois do cruzamento a estrada empina ainda mais, está calor e 1 hora depois estou finalmente com o lago à minha frente. Uma paragem no centro de visitantes do parque nacional para perguntar quais as zonas permitidas para campismo, uma shopska salad (o prato tradicional, comum à Bulgária, que consiste numa salada de tomate e pepino com  queijo de cabra ralado) num café à beira da estrada e estou pronto para colocar a tenda, fazer o jantar e dormir, embalado pelo bater da água nas margens e pelo som do vento nas copas das árvores, que cobrem quase toda a paisagem.



A rotina desde o acordar até ter tudo pronto para começar a pedalar demora sempre o mesmo tempo. Entre uma hora e uma hora e um quarto. E hoje não foge à regra. A partir do lago, em direcção a Oeste, à fronteira com a Albânia, é sempre a descer através de um vale que ora se fecha a pique, ora se abre para deixar ver os cumes de alguns dos picos mais altos do parque, onde ainda persistem as últimas neves. A estrada é estreita, por isso tenho de ter atenção e não me deixar “adormecer” com a paisagem porque os camiões passam a alta velocidade, apitando e fazendo algumas razias de vez em quando. Eu não me fico atrás e respondo com alguns “mimos” em bom português! Ao meio dia já está uma trovoada enorme formada e eu aproveito as primeiras pingas e uma casa abandonada à beira da estrada para fazer uma paragem para o almoço. Entretanto um motociclista vem em sentido contrário, vê-me e pára a moto à minha frente. É suíço vai dar a volta ao Mar Negro com um colega (que foi impedido de entrar na Macedónia por causa de uma embirração de um guarda na fronteira – encontrar-se-ão daí a dias em Tessalónica, na Grécia), regressando depois pelo Norte da Europa a casa. Trocamos impressões acerca dos países por onde já passamos, damos dicas um ao outro e nessa mesma altura pára de chover. A seguir paro num café para comprar uma bebida, o dono mete conversa e tiramos uma foto juntos.




Mesmo sendo a descer eu estou cansado, o que significa que vou ter de parar entretanto por hoje. É uma coisa que se aprende rapidamente quando se viaja de bicicleta: ouvir o corpo! E se este diz que é para parar, não vale a pena contrariar. No centro de visitantes tinham-me falado num mosteiro, uns quilómetros mais à frente do local onde estou, onde seria possível colocar a tenda ou alugar um quarto. Decido investigar. O mosteiro ortodoxo fica numa vertente escarpada, uma zona lindíssima, rodeada de vegetação por todos os lados e a partir do qual se podem observar duas aldeias perdidas na encosta oposta. À entrada, pergunto ao segurança se é possível acampar ou alugar um quarto. Diz-me para entrar no mosteiro e perguntar aos monges. Mas para isso tenho de vestir umas calças, que estão à disposição dos visitantes num cesto ao lado do arco da entrada. Andam em trabalhos de construção de uma nova área. Aproximo-me de um monge e digo quem sou e o que me traz aqui. Nem me responde à questão do campismo. Diz-me que para se pernoitar tem de ser com reserva, mas que o melhor é falar com o monge encarregue das reservas, que se encontra no interior da igreja. Para chegar à fala com o senhor, tenho de passar primeiro por dois indivíduos que me parecem empregados do mosteiro. Um passa a mensagem ao outro e esse, por sua vez, passa a mensagem ao monge. Este último manda chamarem-me. Apresento-me novamente, desfaço-me em amabilidades e digo que estou cansado, que preciso de um sítio para pernoitar e que no centro de recepção do parque me disseram que aqui seria possível. Não vai dar! “Há um hotel a uns 12 km daqui, lá pode tentar pernoitar”. Ok! Agradeço a informação e volto à estrada. Ficar num hotel está completamente fora de questão.




Ando com azar! Quando preciso mesmo de encontrar um sítio para ficar, estou sempre numa zona onde o relevo nem permite acampar. Numa aldeia pergunto a um senhor se há quartos para alugar. “Não, aqui não!” Mas diz-me que posso tentar mais abaixo na estrada e faz-me um desenho com uma pedra do local onde devo procurar. É o que faço e só demora 5 minutos a ter a chave de um quarto na mão, depois de perguntar na mercearia que fica ao lado da casa onde acabo por me instalar.


quinta-feira, 25 de julho de 2013

Skopje - Gostivar

Acordo feito num farrapo. Dormi pouco, está calor e a bike está à minha espera! Ainda tento arrastar a partida, mas não há nada a fazer, tenho de continuar. O meu destino é o Parque Nacional de Mavrovo, que fica já perto da fronteira com a Albânia, mas para lá chegar vou demorar pelo menos dois dias. Agora já não preciso de usar a auto-estrada. Há uma nacional, pararela à primeira, muito menos movimentada e que atravessa vilas, aldeias e campos. Gosto especialmente da uma da tarde, quando o chamamento para a oração ecoa dos minaretes das mesquitas. É um som que me transmite uma tranquilidade desconcertante, mesmo não percebendo patavina do que querem dizer as palavras entoadas.

 A paisagem vai agora mudando lentamente e a oeste começo a vislumbrar novamente montanhas com neve. O cenário é fantástico mas vai ser algures por ali que eu vou ter de subir amanhã! Depois de umas horas de terreno plano, a estrada sobe para depois começar a descer para um vale enorme que faz uma curva e segue para sul. No limite norte do vale fica Tetovo, uma cidade feia, com blocos habitacionais enegrecidos pelo passar dos anos. Paro numa esplanada para verificar se existe algum parque de campismo aqui na zona. Nada! Além disso esta é uma área muito povoada, o que torna complicado encontrar um espaço escondido para colocar a tenda. 



Continuo… à saída da cidade paro para tirar uma foto a uma igreja, viro-me para tirar outra a um casamento que passa e deixo a máquina cair no chão. Nem acredito! A objectiva saltou fora, está arrumada! É a segunda em pouco mais de duas semanas! Fico variado comigo mesmo, meto-me novamente na bike e vou falando sozinho e maldizendo a minha sorte. Apetece-me atirar tudo para o chão por causa da minha falta de jeito! Entretanto vou passando por vilas e aldeias que ostentam bandeiras da Albânia… em território macedónio! Hum… há aqui qualquer coisa que não bate certo! Vejo também os primeiros homens envergando o Plis, o típico chapéu albanês feito de algodão prensado, e os primeiros talhos albaneses: os animais jazem estendidos do lado de fora do talho, uns meio abertos, outros já esfolados, outros pendurados sem cabeça, outros só com cabeças alinhadas, há de tudo!


 As pessoas cumprimentam-me alegremente, acenam, dizem uns “hello” perfeitos. Todos os dias cumprimento toda a gente por quem passo, a maior parte retribui, às vezes buzinam e levantam o polegar como sinal de encorajamento, outras vezes são camiões com buzinas que fazem uma música – é uma experiência brutal por si só! Nunca estou sozinho. Mas estas pessoas cumprimentam-me de forma diferente, mais efusiva! Isto é tudo muito giro mas são quase 6 da tarde e eu ainda não decidi o que vou fazer em relação ao local para dormir. Gostivar, que fica a apenas 5 km, vai ser a última grande cidade que irei apanhar nos próximos 7 ou 8 dias por isso é o único local onde poderei comprar uma máquina fotográfica nova ou usada. Decido ir até lá. No centro da cidade vejo uma agência de viagens (nos países por onde tenho passado são às centenas, especialmente porque vendem viagens de autocarro para vários destinos na Europa), paro e pergunto ao rapaz que está sentado à porta se conhece um local onde se possa pernoitar por pouco dinheiro. Chama-se Ardi e está a trabalhar na agência de viagens do tio durante as férias de verão. Ao lado dele está um senhor sentado numa grade de cerveja. Dispõem-se logo a ajudar-me, fazem telefonemas, perguntam quanto quero gastar (o mínimo possível, claro! eheh) e levam-me até um hotel. Eu só carrego a mochila, porque sou proibido de levar a bicicleta. Um deles faz isso por mim. Entretanto vou conversando com o Ardi e digo-lhe que no dia seguinte não me vou embora de Gostivar sem passar pela agência de viagens para me despedir. Aproveito e pergunto-lhe o porquê de tantas bandeiras albanesas nesta zona. Fácil! Estamos perto da fronteira com a Albânia, metade da Macedónia foi território albanês até 1913 e esta zona é quase exclusivamente habitada por albaneses, que vivem num país que não reconhecem como seu. Daí a necessidade de afirmação da sua identidade, especialmente perante a minoria turca, por quem a maior parte dos albaneses deste vale tem um ódio muito particular (toda a região balcânica esteve sob o domínio turco, exercido pela força, por mais de 400 anos).


terça-feira, 23 de julho de 2013

Skopje - Final take!

Na manhã do dia seguinte apanhamos um táxi e passados 20 minutos estamos em Shutka. Esta é considerada a capital Roma na Europa e é também um município liderado por um individuo da comunidade. Prefiro utilizar o termo Roma porque a palavra “cigano” é muitas vezes vista com uma carga estupidamente negativa. Aviso desde já que sou contra qualquer tipo de distinção e discriminação no que ao ser humano diz respeito. Pelo contrário: cada vez me convenço mais que somos todos muito parecidos, especialmente no nacimento, morte e nas ambições de uma vida um bocadinho melhor a cada dia que passa. Sou sim fascinado pela forma como o ser humano se adapta a cada local e como essa adaptação molda a sua forma de viver.

O táxi deixa-nos na avenida principal, que tem quase 1 km de comprimento. De um lado e do outro, bancas, pessoas e animais, no centro automóveis, motos, bicicletas e autocarros. É muita informação ao mesmo tempo e eu ainda estou a tentar absorver tudo quando o Johan nos conduz para umas ruelas longe do reboliço. Não há esgotos em muitas das casas, por isso as ruas são o local de escoamento. Entre barracas de lata e cartão, casas com piscina, montes de lixo e plástico à porta das casas, crianças sujas e com um olhar doce, chegamos ao morro que determina o local mais alto da cidade. Quase todo o lixo da capital vem parar ao bairro. Aliás, desde que iniciei a viagem em Sofia que, por todo o lado, observo Romas com motoretas adaptadas  a remexerem nos caixotes do lixo para fazerem a reciclagem à sua maneira: cartão pra um saco, plástico para um big bag e se houver ainda alguma comida em condições ainda vai para outro saco. O Johan conta-me que o plástico é o maia rentável porque por um determinado peso de embalagens em plástico recebem em troca 1 euro. Esse plástico serve também para, no inverno, fazer fogueiras que aquecem as casas e as entradas dos estabelecimentos comerciais no bairro.

No centro deste está uma casa enorme. É do presidente da comunidade, conhecido por “Elvis”. Ao lado, um campo de futebol de terra batida onde alguns miúdos jogam e perto deste uma das construções que o Johan fez para as crianças, utilizando manilhas, cimento e tintas, nada mais. Penso nos recreios das escolas primárias do meu país, cada um com um campo de futebol que castra qualquer opção por outro tipo de desporto ou brincadeira. Alguns miúdos reconhecem imediatamente o Johan e pedem-nos por favor para jogarmos um pouco com eles. “Ok, mas só 5 minutos” – diz o Johan, mas demoramos 15 até que decidam quais vão ser as equipas, eheh. Na minha equipa o guarda-redes é uma rapariga lindíssima, com uns olhos azul-turquesa e uma expressão meiga. A seguir somos convidados pela organização alemã que está a realizar um projecto na cidade para tomar um café. Conversa puxa conversa e passada uma hora almoçamos, passeamos pelo bazar e regressamos a Skopje de autocarro. Despedimo-nos e eu vou direitinho à loja de informática onde tinha deixado o computador nessa manhã porque no dia anterior tinha decidido não ligar à internet, o que me levou a marcar mais uma noite no hostel com a qual não estava a fazer conta. Fico mais descansado quando lá chego. Afinal estava era infestado de vírus, cavalos de tróia, etc. Agora já posso continuar a actualizar o blog e a falar com a família em Portugal.



No último dia em Skopje aproveito para visitar o canyon mais profundo da Europa, que fica a apenas 15 km da cidade. Mas antes ainda tenho de ir ao banco para trocar dinares sérvios por dinares macedónios. Espero 40 minutos da fila, perco o autocarro e quando chega a minha vez dizem-me do outro lado do balcão “Not here” e apontam com o dedo para a casa de câmbio, 50 metros ao lado. Que burro! São 11 horas e assim espero pelo autocarro das 12h10 que, quando chega ao local, deixa os passageiros a 100 metros do paredão que forma o lago ao longo do canyon, com mais de 20 km de comprimento. A partir daqui tenho 2 hipóteses. Ou sigo pelo trilho pedestre que acompanha o canyon através das escarpas, ou atravesso o lago e subo até um mosteiro localizado no planalto acima do canyon, de onde se tem uma perspectiva brutal do fenómeno natural. Almoço e decido meter pelo Canyon, até onde conseguir e depois voltar para trás para apanhar o autocarro de volta à cidade. Decido mas só durante 5 minutos, que é o tempo que demora até uma trovoada brutal se formar, começar a chover torrencialmente e colocar toda a gente ao abrigo da esplanada do único restaurante existente. 



Estou eu sentado a olhar a chuva e a beber uma cerveja quando duas mulheres e um homem que procuram uma mesa vaga que não existe, pedem se se podem sentar. Claro que sim! Apresentações feitas e depois de 10 minutos de conversa o homem diz-me que as mulheres Macedónias é que são lindíssimas. Sorrio, olho para as duas que tenho à minha frente e penso que me dizem isso (que as mulheres do país onde vivem são as mais bonitas) em todos os países onde já estive. Entretanto a chuva pára e eu meto-me ao caminho. O trilho segue por uma plataforma escavada na escarpa sobranceira ao rio que, por vezes, não tem mais que 60 ou 70 cm de largura. Lá em baixo, a umas dezenas de metros, fica a água, por isso convém contemplar a paisagem quando estou parado, não em andamento. Fico impressionado com a quantidade de lixo espalhado no início do percurso, onde a maioria dos turistas chegam. Depois as pernas acusam o cansaço e os turistas voltam para trás. O trilho fica então para os curiosos e o lixo desaparece. 



Passada uma hora de caminhada, encontro um casal em sentido contrário que me diz que o trilho está tapado um derrube, que é impossível continuar. Volto para trás e aproveito agora a luz de final do dia para tentar captar a magia do local. Esta noite vou ter de descansar bem porque amanhã volto ao pedal e o corpo acusa sempre uns dias de descanso quando nos voltamos a colocar em cima da bike.



Este pensamento dura apenas uma hora, porque no autocarro de regresso a Skopje segue uma inglesa, colega de camarata no hostel, nos últimos 2 dias. Os hostels são uma forma fantástica de se conhecerem novas pessoas, trocarem-se experiências, arranjar companheiros de viagem, etc. Quase toda a gente que conheci no hostel em Skopje seguia os mesmos passos: guia Lonely Planet na mão e visita a locais que sejam servidos por hostels, de preferência. Estes guias têm tudo, é só abrir, folhear e ir. Viajar é tão fácil!! Ou ainda há por aí alguém a acreditar que não? Combinamos uma ida ao festival, só para beber uma cerveja, mas os planos são alterados quando chegamos ao hostel e damos de caras com mais um inglês e uma canadiana. Jantamos e decidimos que vamos até ao festival, mas que se a música não agradar bebemos uma cerveja num bar e voltamos para casa, porque na madrugada seguinte há dois deles que têm voos marcados. Quando saímos, passamos só pelo outro hostel que pertence aos mesmos donos, para ver se alguém está a fim de nos acompanhar. Um grupo de 5 rapazes (entre ingleses, neozelandeses e americanos) já está preparado para atacar a noite e assim seguimos directos para uma zona de bares e a seguir para área dos clubs. É neste percurso que me lembro que não estava a fazer conta com este cenário e me lembro que estou de sandálias e calções. A zona onde estamos tem 3 clubs, são os mais caros de toda a Macedónia e é aqui que se pode observar a fina flor do jet set nacional, por isso no primeiro club onde entramos pagamos a excentricidade de 2€! Rimos, dançamos e eu de sandálias e calções quando vejo toda a gente vestida a rigor. O grupo já está todo em rotação máxima e decide ir para outro club, este o mais caro e o mais vip de todos. Vêm-se carros de luxo, mulheres “mascaradas” (tal é a quantidade de maquilhagem que usam), umas novas a quererem parecer velhas, as velhas a quererem parecer novas e uma fila para entrar. Metade do grupo entra, a outra metade segue para o hostel. Eu estou na segunda. São duas e meia, eu estou cansado, pediam 5€ para entrar no club mais caro da Macedónia e amanhã vou pedalar. Levantamos o braço, um táxi pára, leva-nos ao hostel, despeço-me de pessoas que provavelmente nunca mais irei ver e adormeço. 

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Skopje - take 1 action!

Normalmente uma viagem começa com a preparação, com a consulta de guias e de informações sobre os locais. Esta viagem também devia ter começado assim. Devia! Uma mudança de casa nas semanas que antecederam a partida e um assalto à carrinha numa visita a Badajoz que me fez ficar sem o guia que tinha no mp3, ditaram que não, que não ia ser uma viagem com muita preparação. Assim, a única coisa eu tinha mais certeza, à partida de Lisboa, era mesmo o dia de vinda, 23 de Junho para Sofia e o de ida, a 12 de Agosto em Veneza. Pelo meio já tinha para mim que iria visitar 3 locais: o Parque Nacional de Rila, na Bulgária, o de Mavrovo, na Macedónia e o Durmitor em Montenegro. O resto do percurso seria feito dia-a-dia, perguntando, ouvindo os conselhos de outros viajantes e, sobretudo, dos locais. É por isso que não sabia qual era a origem do nome Macedónia. Não! Afinal não tem nada a ver com a mistura de vários legumes; o nome vem do grego e deverá significar Alto.  

Na primeira manhã no hostel conheço um italiano que me fala da maior cidade Roma do mundo. Chama-se Shutka e fica nos arredores de Skopje. Fico logo entusiasmado com a ideia de ir até lá, mas sozinho, sem conhecer o sítio… não sei. Conheço também o Johan, alemão que anda a viajar com a namorada, que esteve em Portugal durante um ano num programa de intercâmbio. Quando a conheço meto conversa em português e a Solevai responde com um discurso perfeito. Fala-me logo de Benavente (o sítio onde foi acolhida por uma família, durante esse ano) e da festa da sardinha assada. Falar-se de Portugal sem se falar de comida é difícil, eheh!  Aproveito para comprar comida e para ver se encontro um fogão de campismo novo. Claro que encontro e logo à primeira, por dez vezes menos o preço que em Portugal, no supermercado onde compro a comida.




Durante o resto do dia aproveito para visitar a cidade, dividida pelo rio em duas zonas distintas: a norte mais antiga, com o castelo da cidade e a zona turca; a sul edifícios típicos do regime comunista. Para complicar mais as coisas, a meio (na margem norte do rio), o governo está a levar a cabo um megalómano projecto de construções inspiradas nos edifícios clássicos gregos. Espera lá!! Gregos? Então mas os Gregos odeiam os Macedónios! Explico: a Macedónia é um país com 22 anos de independência e a sua população é constituída por Eslavos-Macedónios (62%), Albaneses (25%), Turcos (10%) e a restante está dividida entre Romas e Sérvios.  A origem dos habitantes desta região é Eslava, do centro da Europa e a Grécia nem sequer reconhece a designação do país, porque Macedónia já é o nome de uma região grega há vários séculos. O facto de o governo estar à procura de uma identidade nacional, fez com que fosse buscar o culto dos heróis nacionais, encabeçados por Alexandre “O grande”. Assim está explicada a causa da construção destes edifícios. 




Apesar de tudo esta deve ser a cidade mais moderna que encontro desde que iniciei a viagem: uma frota de autocarros relativamente recente, entre os quais os de dois andares ao mais puro estilo londrino, ciclovias (se bem que nem sempre nas melhoras condições) e uma atmosfera mais descontraída.
Na zona turca, entre ruelas e becos, procuro um local para almoçar. Para tal sigo sempre a mesma directiva: ir onde os locais vão, fazer como eles fazem, tentando assim evitar os menus turísticos e as decorações foleiras. Como um delicioso Byrek com carne, acompanhado de um iogurte, por 75 cêntimos. Antes de regressar ao hostel ainda passo pelo bazar (um mundo de sons, cores e cheiros) e visito mesquitas e igrejas, tudo num raio de 600 metros. Afinal a “nossa” Macedónia não está muito longe daquilo que é este país - uma mistura saudável (na sua maioria) de pessoas e religiões.





Estou a acabar de jantar quando o Johan e a Solevai aparecem e me convidam para irmos ao festival de música que acontece a 500 metros dali. Uma banda local surpreende-nos com a qualidade da música, que vamos apreciando com uma cerveja Macedónia na mão Podem dar uma olhadela no youtube em "Superhiks"). O Johan conta-me que trabalha numa organização alemã que faz projectos em locais socialmente mais “sensíveis” e que o penúltimo trabalho foi em Shutka, onde esteve a construir zonas de lazer para as crianças. No dia seguinte vai lá levar a namorada e convida-me para ir também! Boa! Não só vou lá, como ainda vou ter o privilégio de ir com uma pessoa que conhece o local e os locais.




Vranje - Skopje

Às 8h já não se consegue estar dentro da tenda com o calor! O casal que ocupa a tenda ao lado (a única, além da minha) pede desculpa pelo barulho, mas não conseguiram manter os dois filhos pequenos mais tempo deitados. Sorrio, digo que não há problema, que não consegui dormir mais por causa do calor, não do barulho. São ingleses, trabalham na Suíça e estão já foram até à Grécia. Regressam agora a casa, passando ainda pela Bósnia e Croácia. Combinamos que se nos encontrarmos na Croácia, me dão boleia… em troca digo que tomo conta dos filhos no banco de trás do carro eheheh! Antes de sair ainda pergunto ao Marku, o dono do parque, qual o caminho mais curto para Skopje, onde planeio chegar nesse dia. Diz-me que posso apanhar uma estrada que segue pelas aldeias, mas que depois tenho mesmo que apanhar a estrada principal, antes de chegar à fronteira com a Macedónia. Tento sempre evitar as estradas com maior movimento, assim pedalo mais tranquilo e posso concentrar a atenção nas pessoas e nos lugares. 



Depois de alguns quilómetros em estradas que já foram mais alcatroadas do que aquilo que são hoje, entro na estrada principal. Qual não é o meu espanto quando reparo que estão a construir uma auto-estrada mesmo junto à estrada já existente e, melhor, já está alcatroada. Espetáculo! Assim vou sem trânsito num tapete novinho. Tenho duas faixas de rodagem só para mim. O asfalto segue a única via possível aqui… um vale que, no sentido Norte-Sul, que conduz à fronteira. Por entre campos de trigo e milho vislumbro uma transformação na paisagem… minaretes e mesquitas em tudo o que é aldeia. Estou portanto a entrar numa zona muçulmana. 



Ao chegar à fronteira com a Macedónia o guarda olha para mim, faz-me as perguntas da praxe e quando lhe conto da viagem diz “Catastrophic”!!! Na parte Macedónia o guarda faz um semblante carregado mas depois sorri e pergunta se tenho licença para a bicicleta! Solto uma gargalhada e respondo que não, que ando a viajar de forma ilegal eheh! Curioso o facto de, na fronteira, as bandeiras Sérvia e Macedónia estarem frente-a-frente, sendo que do lado Macedónio decidiram colocar um mastro muito maior. Será um sinal de afirmação? Daqui até Skopje não tenho outra hipótese senão seguir pela auto-estrada. A princípio ainda fica apreensivo, mas depois vejo pessoas a caminhar pela berma, polícias a saltarem o separador central e motards sem capacete a alta velocidade e fico mais aliviado. Paro numa bomba com wifi, marco o hostel para os próximos 3 dias em Skopje e resolvo umas coias em Portugal através da net. A preocupação volta quando, no final de uma subida vejo as portagens. Portagens??? “Queres ver que vou ter de pagar para andar na auto-estrada de bicicleta?” Não, o portageiro manda-me avançar. Está um calor infernal mas consigo ter discernimento suficiente para notar a diferença da paisagem. As montanhas continuam, mas agora com formas mais suaves, vegetação mais rasteira e um terreno cor de ocre que dá por vezes um aspecto lunar a determinados locais. Entrar e sair de uma grande cidade de bicicleta é uma experiência “engraçada”, digamos. O trânsito, o aglomerado de casas, pessoas e a poluição, tudo em crescendo até se chegar ao centro.



Paro numa taberna debaixo de um viaduto de uma auto-estrada para perguntar a direcção da avenida que fica perto do hostel. Não podia ter mais pontaria… está um grupo de trabalhadores de uma empresa de entregas expresso a começar o jantar! Um deles salta da cadeira como uma mola para me ajudar e começa a coçar a cabeça quando lhe mostro o nome da avenida. Não está a conseguir lembrar-se onde fica a avenida e isto, para um estafeta, é uma afronta! Não tem o Gps com ele mas pede um telefone a um colega. Não liga à internet o raio do telemóvel! O homem está possuído! ”Sorry my english. Fucking mother telephone!”, diz sem parar! Depois de consultar um colega volta-se para mim: “Listen to me!”, enquanto rabisca no meu diário o trajecto até ao local. Depois chega um colega, que diz que por onde ele me indica é mais longe, que se fizer assim e assado estou lá num instante. “Decidam-se homens” – penso eu a rir com a situação. “Listen to me” - e já está desenhado outro percurso. Despeço-me, agradeço e passados 5 minutos estou em frente ao hostel, localizado perto do rio, num bairro composto por vivendas e ruelas estreitas. O meu propósito para os próximos dois dias é descansar, actualizar o blog, conhecer a cidade e desfazer uma dúvida que me assalta desde que soube que ia passar por este país: será que o nome Macedónia tem alguma coisa a ver com a "nossa" macedónia de legumes? É uma pergunta parva, mas não vou sair de Skopje enquanto não souber.



terça-feira, 9 de julho de 2013

Tran - Vranje

De manhã o Vasco mete mais conversa. Trabalha para patrões portugueses em Paris e diz que são bons pedreiros… metem uma casa de pé em dois meses! Oferece-me uma garrafa de aguardente caseira feita pelos pais! Depois de arrumar tudo, leva-me até ao museu da cerâmica, outrora a principal actividade económica da aldeia. Já está mais à vontade, por isso diz-me que quando me viu a chegar, na véspera, pensou que eu fosse um Roma a pedir esmola! Solto uma gargalhada enorme e o Vasco também sorri, embaraçado! No museu os vasos e artefactos são lindíssimos e há também um centro de ensino onde todos os anos, estudantes vêm aprender as técnicas utilizadas. Fico especialmente impressionado quando o Vasco me mostra o antigo sistema de canalização da água utilizado pelos habitantes da aldeia, com tubos de cerâmica com 45cm de comprimento cada. Todas as pessoas eram obrigadas a canalizar a sua água desde a montanha até a casa utilizando estes objectos! 


Em frente ao museu está o vizinho do Vasco a apanhar cerejas. Deita uma tranca da cerejeira abaixo para eu tirar as cerejas que quiser. O Vasco fala-me ainda da vida em Paris, que é uma selva! Imagino como possa uma pessoa nascida aqui habituar-se ao corrupio de uma grande cidade. Não admira que os seus dias de férias aqui sejam passados sentados numa cadeira no alpendre de casa, a contemplar a paisagem. Conta-me também que o médico Stamen Grigorov, que descobriu uma das bactérias utilizadas no fabrico do iogurte (Lactobacillus delbrueckii subsp. Bulgaricus), em 1905, era de Tran, onde hoje existe um museu do iogurte. Mas hoje é Segunda-feira, o museu está fechado… vai ter de ficar para outra altura. 


Despedimo-nos e ando 6 km para trás para ver a garganta do rio Erma. Um trilho por entra a vegetação conduz a uma ponte artesanal de madeira, de onde pode observar a garganta que aperta o rio neste local e o faz correr velozmente por entre as rochas . Tem um túnel escavado na rocha, que inicia um trilho pelo canhão mas eu tenho de continuar viagem, por isso volto para Tran, deixo a  bike na polícia e faço compras para os próximos dias. Enquanto almoço no jardim localizado no centro da vila, um grupo de crianças aproxima-se timidamente. Comunicamos por gestos e quando digo as palavras mágicas (Portugal, futebol e Cristiano Ronaldo) todos soltam um "Yeahhhhhh". Um deles bate com a mão no peito sem parar e diz "Cristiano ronaldo Fan!!!"



A fronteira da Sérvia afinal ficava mais próxima do que aquilo que eu imaginava. Depois da fronteira há uma área de 10 km onde só vejo uma casa na beira da estrada. Para chegar ao lago onde vou ficar tenho uma subida longa mas quase sempre à sombra. O parque de campismo do lago tem uma localização brutal mas está abandonado. Parece que “abriu” neste dia e andam a cortar a erva e a arranjar a parte eléctrica. Não há qualquer recepção, por isso presumo que não se pague. Fico perto de uma roulotte, com vista para o lago.




No dia seguinte,  começo a pedalar numa descida que dura quase uma hora, acompanhando a floresta até chegar à cidade mais próxima. Lá tento trocar Levs por dinars mas nenhum banco nem casa de câmbio aceita. Aproveito para almoçar numa padaria e comprar fruta. 


Meto-me a caminho de Vranje, onde chego pelas 3 e tal da tarde. Procuro um parque de campismo que tinha visto na net. Ainda me engano, tenho de pedir direcções numa bomba de gasolina e passados 10 minutos estou lá. Tem uma piscina enorme e um relvado super bem cuidado para acampar. Sou bem recebido pelo dono que me oferece uma cerveja. Diz que não tem wifi mas pode emprestar-me a pen com net. No bar estão uns amigos dele e a conversa  vai parar aos jogadores sérvios que o Benfica contratou e àqueles que já jogaram em Portugal. Antes de fazer o jantar ainda tenho tempo de dar um mergulho na piscina, um "luxo" pouco habitual nesta viagem!