Logo pela manhã, o pequeno-almoço
é passado na companhia do casal francês. Contactos trocados, despedidas feitas
e monto na bicicleta com destino a Mostar, na Bósnia. Mas para lá chegar ainda
terei de passar 3 fronteiras. Explico: A Croácia e a Bósnia são países vizinhos,
sendo que este último detém um trilho de costa com cerca de 10km, com a Croácia
a Sul e a Norte. Isto significa que cerca de 5 km depois de começar a pedalar,
tenho a fronteira com a Bósnia à minha frente e apenas 10 km após essa
fronteira tenho outra novamente, desta feita para reentrar na Croácia. Há uma
fila de carros gigante. Apetece-me passar à frente de toda a gente que está
sentada confortavelmente no interior de cada veículo com o ar condicionado
ligado, mas a boa educação manda-me aguardar pela minha vez. Quando finalmente
chego a uma das cabines do posto fronteiriço, percebo o porquê de tanto demora…
um dos funcionários deve ser recente e demora 5 vezes mais tempo a verificar os
papéis, comparativamente com os seus colegas de trabalho. Depois desta
trapalhada toda espera-me uma subida difícil, com muito calor à mistura, mas no
topo a vista é recompensadora… um vale enorme, todo cultivado e aninhado entre
as montanhas, apresenta uma paleta de verdes impressionante, com dezenas de
canais a servirem de via de comunicação. Quando chego a Opuzen, a cidade que serve
de entrada para esse vale lindíssimo, paro para fazer compras e abastecer o
estômago. Volvidos 10 km estou novamente às portas do posto fronteiriço de
Metkovic. O calor começa cada vez a mais a apertar. Despejo água pela cabeça,
cerro os olhos e contínuo. As primeiras vilas e aldeias deixam antever uma diferença
enorme, relativamente à turística costa croata. Aqui e ali vêm-se algumas
marcas da guerra recente: pontes caídas, casas com marcas de balas, edifícios em
ruínas… Todas estas marcas parecem também reflectir-se no rosto das pessoas
mais velhas, que certamente sofreram na pele as consequências de um conflito
que perdurou durante 3 anos e vitimou cerca de 200.000 civis. A estrada
desenrola-se ao longo da margem esquerda do rio Neretva, que nasce nos Alpes
dináricos, a cerca de 30 km de Sarajevo e é considerado um dos rios mais frios
do mundo, pois as suas águas atingem no verão uma temperatura máxima de 8
graus. A sua particularidade reside também na sua cor verde-esmeralda única.
Pedalo meio embriagado com esta cor única quando à minha frente surge Pocitelj,
uma cidade amuralhada construída em 1383, hoje património integrante da lista
da Unesco. Está demasiado calor para deixar a bicicleta de lado e fazer uma
visita com mais tempo ao local. Acabo por escolher uma sombra para repor mais
algumas calorias. Daqui até Mostar são cerca de 30 km lindíssimos, através de
um Canyon salpicado aqui e ali por algumas entradas de grutas. À medida que
avanço para o interior a temperatura é cada vez mais sufocante. Já com Mostar à
vista sou obrigado a parar numa estação de serviço para meter a cabeça debaixo
da água da torneira. As sobrancelhas queimam, só da deslocação do ar. Saberei
mais tarde que os termómetros marcaram neste dia cerca de 42 graus. Quando
entro finalmente na cidade sinto um alívio enorme. Uma das primeiras coisas que vejo é a famosa ponte, que dá ao centro histórico todo o seu encanto. Entre edifícios com marcas de balas, outros recuperados e alguns destruídos, ainda me perco à procura do
Hostel, mas depois de algumas tentativas lá consigo dar com o local. A primeira
coisa que faço assim que entro na camarata é pousar as bagagens e tomar um
banho refrescante. Só volto a sair do quarto para comprar um Burek de queijo de
cabra para o jantar e para sentir o pulso ao centro histórico.
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
terça-feira, 19 de novembro de 2013
Na costa croata
O dia amanhece com uma brisa que
sopra de terra e que deixa finalmente que as águas da Croácia mostrem porque
são mundialmente famosas. A estrada que liga o camping a Dubrovnik, o local
onde pretendo ficar hoje, percorre a vertente da montanha que se despenha
abruptamente nas águas transparentes do Adriático. A cidade é visível a vários
quilómetros de distância, mas a sua imponência só é verdadeiramente perceptível
quando atinjo o miradouro que deixa antever um cenário fantástico: a fortaleza
de pedra com o seu casario no interior e no horizonte algumas das mais de 1000
ilhas que fazem parte da costa deste país. Está um calor tremendo e o trânsito
não dá tréguas, obrigando sempre a uma atenção redobrada. Afinal esta é a
principal estrada que liga o norte do mar Adriático até ao seu extremo sul.
Quando entro no emaranhado de vivendas e pequenos prédios que compõem os
arredores da antiga cidade, o trânsito e o movimento de pessoas intensifica-se
ainda mais. Dou três voltas ao perímetro das muralhas, para ver se encontro um
local seguro onde possa deixar a bicicleta e assim visitar descansado este
local classificado pela Unesco. Ainda pergunto num parque de estacionamento
subterrâneo se dá para deixar a bicicleta só por um par de horas. Nada feito!
Lembro-me do posto da polícia, que fica a umas dezenas de metros dali. Ao
chegar lá meto conversa com um guarda que sai para a ronda. Com aquela que deve
ser a sua melhor educação manda-me ir procurar outro lado. Já estou nisto há
quase duas horas e decido que já chega. Faço-me à estrada para percorrer os 7
km que me separam do hostel onde vou ficar, o alojamento mais barato que
encontrei, visto que em Dubrovnik pediam 25€ por pessoa para ficar no parque de
campismo. O hostel é gerido por um membro da claque mais antiga da Europa: a “Torcida”
do Hajduc Split, fundada em 1950. A maioria das paragens de autocarro que ficam
situadas entre a fronteira sul da Croácia e a cidade de Split estão pintadas
com as cores e os emblemas do clube. Nunca tinha visto nada assim e falo com o
dono acerca disso. A tarde é aproveitada a relaxar e a decidir o que fazer nos
próximos dias… tanta confusão e trânsito estão a deixar-me cansado. Decido que
amanhã bem cedinho voltar a Dubrovnik para visitar a cidade e nos dias
seguintes vou virar para o interior e aproveitar para visitar Mostar, na
Bósnia.
Não consigo acordar tão cedo como
tinha planeado, mas às 9 já estou em Dubrovnik pronto para dar uma volta pela
fortaleza que parece impenetrável. Centenas de turistas percorrem já as
principais avenidas e ruelas da cidade. Apesar de toda esta massa de gente,
certos locais parecem permanecer indiferentes à passagem do tempo. Num beco,
uma pequena porta deixa antever uma barbearia antiga, com as suas paredes
carregadas de lembranças e objectos. Na sombra das pracetas, grupos de
reformados sentados em bancos de jardim discutem as peripécias da vida. As ruas
principais estão transformadas num shopping de souvenirs intermináveis e as margens
da pequena marina servem de palco para a venda de vários Tours turísticos.
Passada pouco mais de uma hora, decido que é tempo de voltar à estrada. Passo
pelo hostel para colocar as bagagens na bicicleta e sigo viagem. Cerca de 10km
mais à frente, o calor e um cruzamento com a indicação de praia fazem-me virar
á esquerda em direcção ao mar. Acabo numa pequena baía com meia dúzia de
pessoas e uma água fantástica, local perfeito para o almoço, um banho e uma sesta
retemperadora. De volta à estrada, tudo na mesma: a montanha do lado direito, o
mar do esquerdo. A certa altura começa a levantar-se um vento frontal
fortíssimo. Estou cansado, sem água e não avisto nenhuma aldeia nas redondezas.
Decido que vou parar para pernoitar no próximo local onde encontrar água. Chego
a uma baía interior onde se encontram dezenas de viveiros de ostras. Procuro
nas barracas dos pescadores por alguém que me possa fornecer um pouco de água.
Nada! Estão todas vazias. Ao fundo da baía avisto uma aldeia… é a minha tábua
de salvação. Quando me preparo para meter pela estrada que me irá levar até lá
reparo numa autocaravana estacionada numa pequena estrada de terra batida sem saída,
mesmo á beira de água. Cá fora uma senhora prepara a mesa para o jantar.
Aproximo-me timidamente e pergunto se me podem encher uma garrafa de água. É um
casal de franceses e claro que me podem fornecer um pouco de água. Depois de
uns minutos de conversa convidam-me para passar ali a noite. Monto a tenda
perto da traseira da autocaravana e de seguida jantamos juntos. O que à pouco era
um fim de tarde cansativo tornou-se num início de noite fantástico… Junto com
umas fatias de salmão, partilhamos um “Bordéus” branco fresquinho, que os acompanha
desde França, sobre um céu estrelado maravilhoso.
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
De Montenegro à Croácia
Acordo às 8 com um calor enorme.
Depois de um pequeno-almoço rápido pego na toalha, atravesso a estrada e dou um
mergulho no mar pela primeira vez desde o último mês e meio. O sabor do sal
sabe-me, pela primeira vez, a estranho, devido à rotina à qual o meu corpo se
vem habitando nas últimas semanas – montanhas e águas límpidas e cristalinas
dos lagos e rios. Quero descansar e aproveitar o final da tarde para visitar a
antiga cidade de Kotor, hoje incluída na lista de património mundial da Unesco.
O dia é passado numa rotina complicada: nadando até ficar cansado e deitado na
toalha até ficar seco. Perto das 4 da tarde pego na bicicleta e percorro os
cerca de 10 km que separam Stoliv, a aldeia onde se situa o camping, de Kotor.
A estrada é estreita: de um lado as águas da baía, do outro as casas de pedra
que permanecem indiferentes à passagem do tempo. Kotor foi outrora um
importante centro artístico e comercial e é uma autêntica fortaleza de
calcário. Desde o chão, às paredes das casas e muralhas que delimitam o
perímetro da antiga vila, o branco da pedra só é interrompido, aqui e ali, por uma
ou outra planta que espreita timidamente dos vasos colocados nas varandas ou pelas
portadas verdes que quase todas as casas ostentam. Observo o cair da noite a
partir do porto, onde um grupo de jovens ensaia uma coreografia sob a
orientação de uma professora exigente. No caminho de regresso paro numa padaria
de onde sai um cheiro maravilhoso. Estão a acabar de fazer bureks, que chatice!
Compro ¼ de um e aproveito o espaço de um pequeno ancoradouro para jantar. O
som da água nas pedras a lua e o céu estrelado compõem o resto do cenário de um
início de noite fantástico.
Do camping até ao ferry que
atravessa o pequeno canal que liga a baía de Kotor ao mar Adriático são apenas
4 km, por isso aproveito os primeiros raios de sol para ainda dar um mergulho
antes de voltar à bicicleta. Sinto-me leve. No ferry, que não demora mais de
cinco minutos a vencer a distância que separa as duas margens, as bicicletas
não pagam. Está um calor infernal, o dia mais quente que apanhei até agora na
viagem, sem dúvida. Quando estou de saída de um supermercado onde paro para
comprar comida para os próximos dias, vejo dois rapazes de bicicleta a aproximarem-se.
São polacos e andam a viajar a um ritmo impressionante. Saíram de casa há
poucas semanas e esperam conseguir estar de volta dentro de alguns dias. Estão
possuídos porque na noite anterior tiveram de pagar, pela primeira vez nesta
viagem, para dormirem num parque de campismo, pois até agora têm ficado nos
quintais de casas onde pedem para montar a tenda. Um deles diz que já engordou
porque há casas onde lhes dão comida sem parar. Falam-me dos países que já
atravessaram e quando oiço o nome “Roménia” pergunto-lhes se vieram pela
transfagarasan, a estrada dramática que atravessa as montanhas fagaras e que
liga a região da Transilvânia à da Walachia. Dizem que sim, que fizeram aquilo
num instante e que comparado com o Passo dello Stelvio, nos Alpes italianos,
que percorreram o ano passado, é coisa para meninos. Vou para lhes dizer que no
ano passado, ao passar pela transfagarasan, demorei quase um dia para fazer a
subida, mas se calhar não vale a pena. Como eles têm de ir ao supermercado e
têm um andamento diferente do meu despedimo-nos com um até já. Como seguimos no
mesmo sentido eles apanhar-me-ão mais à frente na estrada. A fronteira com a
Croácia é precedida de uma subida terrível que parece não ter fim. Há que
aceitar isso e por mais calor que tenha, se quero entrar na Croácia, não há
outra forma senão seguindo por esta estrada. Após o controlo de passaporte espera-me
uma descida refrescante. Estou sem água por isso entro no primeiro minimercado
que encontro. Quando vou para pagar a funcionária faz-me um sorriso amarelo e
diz que não aceitam euros. “Tou tramado”, cheio de sede, com a garrafa de água
na mão, sem a poder comprar e com o multibanco mais próximo a vários km de
distância. Um turista que está atrás de mim na fila mete a mão ao bolso, tira
de lá umas kunas (a moeda croata) e paga por mim. Faço o mesmo gesto mas em
sentido contrário. Saco de umas moedas de euro que o rapaz insiste em não
receber mas que eu faço questão de lhe dar. Entretanto estranho não ter sido ainda
alcançado pelos polacos, mas minutos depois percebo que me terão ultrapassado
enquanto eu estava no minimercado, isto porque dois ou três carros em sentido
contrário me fazem sinais no sentido que, mais à frente se encontram outros
ciclistas. Por todo o lado vejo placas turísticas e apercebo-me que estou na
Riviera de Dubrovnik, mas hoje parece que a Riviera está zangada pois um vento
noroeste fortíssimo cria ondas um cenário que nada tem a ver com aquele propagandeado
pelos outdoors. Entro no primeiro parque de campismo que encontro, que tem
acesso directo à praia, algumas dezenas de metros mais abaixo. Aproveito para
tomar um banho de final de tarde num mar revolto, cheio de limos e com uns
quebra-cocos enormes. Nada a que não esteja habituado no oeste português.
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