O dia amanhece com uma brisa que
sopra de terra e que deixa finalmente que as águas da Croácia mostrem porque
são mundialmente famosas. A estrada que liga o camping a Dubrovnik, o local
onde pretendo ficar hoje, percorre a vertente da montanha que se despenha
abruptamente nas águas transparentes do Adriático. A cidade é visível a vários
quilómetros de distância, mas a sua imponência só é verdadeiramente perceptível
quando atinjo o miradouro que deixa antever um cenário fantástico: a fortaleza
de pedra com o seu casario no interior e no horizonte algumas das mais de 1000
ilhas que fazem parte da costa deste país. Está um calor tremendo e o trânsito
não dá tréguas, obrigando sempre a uma atenção redobrada. Afinal esta é a
principal estrada que liga o norte do mar Adriático até ao seu extremo sul.
Quando entro no emaranhado de vivendas e pequenos prédios que compõem os
arredores da antiga cidade, o trânsito e o movimento de pessoas intensifica-se
ainda mais. Dou três voltas ao perímetro das muralhas, para ver se encontro um
local seguro onde possa deixar a bicicleta e assim visitar descansado este
local classificado pela Unesco. Ainda pergunto num parque de estacionamento
subterrâneo se dá para deixar a bicicleta só por um par de horas. Nada feito!
Lembro-me do posto da polícia, que fica a umas dezenas de metros dali. Ao
chegar lá meto conversa com um guarda que sai para a ronda. Com aquela que deve
ser a sua melhor educação manda-me ir procurar outro lado. Já estou nisto há
quase duas horas e decido que já chega. Faço-me à estrada para percorrer os 7
km que me separam do hostel onde vou ficar, o alojamento mais barato que
encontrei, visto que em Dubrovnik pediam 25€ por pessoa para ficar no parque de
campismo. O hostel é gerido por um membro da claque mais antiga da Europa: a “Torcida”
do Hajduc Split, fundada em 1950. A maioria das paragens de autocarro que ficam
situadas entre a fronteira sul da Croácia e a cidade de Split estão pintadas
com as cores e os emblemas do clube. Nunca tinha visto nada assim e falo com o
dono acerca disso. A tarde é aproveitada a relaxar e a decidir o que fazer nos
próximos dias… tanta confusão e trânsito estão a deixar-me cansado. Decido que
amanhã bem cedinho voltar a Dubrovnik para visitar a cidade e nos dias
seguintes vou virar para o interior e aproveitar para visitar Mostar, na
Bósnia.
Não consigo acordar tão cedo como
tinha planeado, mas às 9 já estou em Dubrovnik pronto para dar uma volta pela
fortaleza que parece impenetrável. Centenas de turistas percorrem já as
principais avenidas e ruelas da cidade. Apesar de toda esta massa de gente,
certos locais parecem permanecer indiferentes à passagem do tempo. Num beco,
uma pequena porta deixa antever uma barbearia antiga, com as suas paredes
carregadas de lembranças e objectos. Na sombra das pracetas, grupos de
reformados sentados em bancos de jardim discutem as peripécias da vida. As ruas
principais estão transformadas num shopping de souvenirs intermináveis e as margens
da pequena marina servem de palco para a venda de vários Tours turísticos.
Passada pouco mais de uma hora, decido que é tempo de voltar à estrada. Passo
pelo hostel para colocar as bagagens na bicicleta e sigo viagem. Cerca de 10km
mais à frente, o calor e um cruzamento com a indicação de praia fazem-me virar
á esquerda em direcção ao mar. Acabo numa pequena baía com meia dúzia de
pessoas e uma água fantástica, local perfeito para o almoço, um banho e uma sesta
retemperadora. De volta à estrada, tudo na mesma: a montanha do lado direito, o
mar do esquerdo. A certa altura começa a levantar-se um vento frontal
fortíssimo. Estou cansado, sem água e não avisto nenhuma aldeia nas redondezas.
Decido que vou parar para pernoitar no próximo local onde encontrar água. Chego
a uma baía interior onde se encontram dezenas de viveiros de ostras. Procuro
nas barracas dos pescadores por alguém que me possa fornecer um pouco de água.
Nada! Estão todas vazias. Ao fundo da baía avisto uma aldeia… é a minha tábua
de salvação. Quando me preparo para meter pela estrada que me irá levar até lá
reparo numa autocaravana estacionada numa pequena estrada de terra batida sem saída,
mesmo á beira de água. Cá fora uma senhora prepara a mesa para o jantar.
Aproximo-me timidamente e pergunto se me podem encher uma garrafa de água. É um
casal de franceses e claro que me podem fornecer um pouco de água. Depois de
uns minutos de conversa convidam-me para passar ali a noite. Monto a tenda
perto da traseira da autocaravana e de seguida jantamos juntos. O que à pouco era
um fim de tarde cansativo tornou-se num início de noite fantástico… Junto com
umas fatias de salmão, partilhamos um “Bordéus” branco fresquinho, que os acompanha
desde França, sobre um céu estrelado maravilhoso.
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