sexta-feira, 8 de novembro de 2013

De Montenegro à Croácia

Acordo às 8 com um calor enorme. Depois de um pequeno-almoço rápido pego na toalha, atravesso a estrada e dou um mergulho no mar pela primeira vez desde o último mês e meio. O sabor do sal sabe-me, pela primeira vez, a estranho, devido à rotina à qual o meu corpo se vem habitando nas últimas semanas – montanhas e águas límpidas e cristalinas dos lagos e rios. Quero descansar e aproveitar o final da tarde para visitar a antiga cidade de Kotor, hoje incluída na lista de património mundial da Unesco. O dia é passado numa rotina complicada: nadando até ficar cansado e deitado na toalha até ficar seco. Perto das 4 da tarde pego na bicicleta e percorro os cerca de 10 km que separam Stoliv, a aldeia onde se situa o camping, de Kotor. A estrada é estreita: de um lado as águas da baía, do outro as casas de pedra que permanecem indiferentes à passagem do tempo. Kotor foi outrora um importante centro artístico e comercial e é uma autêntica fortaleza de calcário. Desde o chão, às paredes das casas e muralhas que delimitam o perímetro da antiga vila, o branco da pedra só é interrompido, aqui e ali, por uma ou outra planta que espreita timidamente dos vasos colocados nas varandas ou pelas portadas verdes que quase todas as casas ostentam. Observo o cair da noite a partir do porto, onde um grupo de jovens ensaia uma coreografia sob a orientação de uma professora exigente. No caminho de regresso paro numa padaria de onde sai um cheiro maravilhoso. Estão a acabar de fazer bureks, que chatice! Compro ¼ de um e aproveito o espaço de um pequeno ancoradouro para jantar. O som da água nas pedras a lua e o céu estrelado compõem o resto do cenário de um início de noite fantástico.






Do camping até ao ferry que atravessa o pequeno canal que liga a baía de Kotor ao mar Adriático são apenas 4 km, por isso aproveito os primeiros raios de sol para ainda dar um mergulho antes de voltar à bicicleta. Sinto-me leve. No ferry, que não demora mais de cinco minutos a vencer a distância que separa as duas margens, as bicicletas não pagam. Está um calor infernal, o dia mais quente que apanhei até agora na viagem, sem dúvida. Quando estou de saída de um supermercado onde paro para comprar comida para os próximos dias, vejo dois rapazes de bicicleta a aproximarem-se. São polacos e andam a viajar a um ritmo impressionante. Saíram de casa há poucas semanas e esperam conseguir estar de volta dentro de alguns dias. Estão possuídos porque na noite anterior tiveram de pagar, pela primeira vez nesta viagem, para dormirem num parque de campismo, pois até agora têm ficado nos quintais de casas onde pedem para montar a tenda. Um deles diz que já engordou porque há casas onde lhes dão comida sem parar. Falam-me dos países que já atravessaram e quando oiço o nome “Roménia” pergunto-lhes se vieram pela transfagarasan, a estrada dramática que atravessa as montanhas fagaras e que liga a região da Transilvânia à da Walachia. Dizem que sim, que fizeram aquilo num instante e que comparado com o Passo dello Stelvio, nos Alpes italianos, que percorreram o ano passado, é coisa para meninos. Vou para lhes dizer que no ano passado, ao passar pela transfagarasan, demorei quase um dia para fazer a subida, mas se calhar não vale a pena. Como eles têm de ir ao supermercado e têm um andamento diferente do meu despedimo-nos com um até já. Como seguimos no mesmo sentido eles apanhar-me-ão mais à frente na estrada. A fronteira com a Croácia é precedida de uma subida terrível que parece não ter fim. Há que aceitar isso e por mais calor que tenha, se quero entrar na Croácia, não há outra forma senão seguindo por esta estrada. Após o controlo de passaporte espera-me uma descida refrescante. Estou sem água por isso entro no primeiro minimercado que encontro. Quando vou para pagar a funcionária faz-me um sorriso amarelo e diz que não aceitam euros. “Tou tramado”, cheio de sede, com a garrafa de água na mão, sem a poder comprar e com o multibanco mais próximo a vários km de distância. Um turista que está atrás de mim na fila mete a mão ao bolso, tira de lá umas kunas (a moeda croata) e paga por mim. Faço o mesmo gesto mas em sentido contrário. Saco de umas moedas de euro que o rapaz insiste em não receber mas que eu faço questão de lhe dar.  Entretanto estranho não ter sido ainda alcançado pelos polacos, mas minutos depois percebo que me terão ultrapassado enquanto eu estava no minimercado, isto porque dois ou três carros em sentido contrário me fazem sinais no sentido que, mais à frente se encontram outros ciclistas. Por todo o lado vejo placas turísticas e apercebo-me que estou na Riviera de Dubrovnik, mas hoje parece que a Riviera está zangada pois um vento noroeste fortíssimo cria ondas um cenário que nada tem a ver com aquele propagandeado pelos outdoors. Entro no primeiro parque de campismo que encontro, que tem acesso directo à praia, algumas dezenas de metros mais abaixo. Aproveito para tomar um banho de final de tarde num mar revolto, cheio de limos e com uns quebra-cocos enormes. Nada a que não esteja habituado no oeste português. 






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