Acordo às 8 com um calor enorme.
Depois de um pequeno-almoço rápido pego na toalha, atravesso a estrada e dou um
mergulho no mar pela primeira vez desde o último mês e meio. O sabor do sal
sabe-me, pela primeira vez, a estranho, devido à rotina à qual o meu corpo se
vem habitando nas últimas semanas – montanhas e águas límpidas e cristalinas
dos lagos e rios. Quero descansar e aproveitar o final da tarde para visitar a
antiga cidade de Kotor, hoje incluída na lista de património mundial da Unesco.
O dia é passado numa rotina complicada: nadando até ficar cansado e deitado na
toalha até ficar seco. Perto das 4 da tarde pego na bicicleta e percorro os
cerca de 10 km que separam Stoliv, a aldeia onde se situa o camping, de Kotor.
A estrada é estreita: de um lado as águas da baía, do outro as casas de pedra
que permanecem indiferentes à passagem do tempo. Kotor foi outrora um
importante centro artístico e comercial e é uma autêntica fortaleza de
calcário. Desde o chão, às paredes das casas e muralhas que delimitam o
perímetro da antiga vila, o branco da pedra só é interrompido, aqui e ali, por uma
ou outra planta que espreita timidamente dos vasos colocados nas varandas ou pelas
portadas verdes que quase todas as casas ostentam. Observo o cair da noite a
partir do porto, onde um grupo de jovens ensaia uma coreografia sob a
orientação de uma professora exigente. No caminho de regresso paro numa padaria
de onde sai um cheiro maravilhoso. Estão a acabar de fazer bureks, que chatice!
Compro ¼ de um e aproveito o espaço de um pequeno ancoradouro para jantar. O
som da água nas pedras a lua e o céu estrelado compõem o resto do cenário de um
início de noite fantástico.
Do camping até ao ferry que
atravessa o pequeno canal que liga a baía de Kotor ao mar Adriático são apenas
4 km, por isso aproveito os primeiros raios de sol para ainda dar um mergulho
antes de voltar à bicicleta. Sinto-me leve. No ferry, que não demora mais de
cinco minutos a vencer a distância que separa as duas margens, as bicicletas
não pagam. Está um calor infernal, o dia mais quente que apanhei até agora na
viagem, sem dúvida. Quando estou de saída de um supermercado onde paro para
comprar comida para os próximos dias, vejo dois rapazes de bicicleta a aproximarem-se.
São polacos e andam a viajar a um ritmo impressionante. Saíram de casa há
poucas semanas e esperam conseguir estar de volta dentro de alguns dias. Estão
possuídos porque na noite anterior tiveram de pagar, pela primeira vez nesta
viagem, para dormirem num parque de campismo, pois até agora têm ficado nos
quintais de casas onde pedem para montar a tenda. Um deles diz que já engordou
porque há casas onde lhes dão comida sem parar. Falam-me dos países que já
atravessaram e quando oiço o nome “Roménia” pergunto-lhes se vieram pela
transfagarasan, a estrada dramática que atravessa as montanhas fagaras e que
liga a região da Transilvânia à da Walachia. Dizem que sim, que fizeram aquilo
num instante e que comparado com o Passo dello Stelvio, nos Alpes italianos,
que percorreram o ano passado, é coisa para meninos. Vou para lhes dizer que no
ano passado, ao passar pela transfagarasan, demorei quase um dia para fazer a
subida, mas se calhar não vale a pena. Como eles têm de ir ao supermercado e
têm um andamento diferente do meu despedimo-nos com um até já. Como seguimos no
mesmo sentido eles apanhar-me-ão mais à frente na estrada. A fronteira com a
Croácia é precedida de uma subida terrível que parece não ter fim. Há que
aceitar isso e por mais calor que tenha, se quero entrar na Croácia, não há
outra forma senão seguindo por esta estrada. Após o controlo de passaporte espera-me
uma descida refrescante. Estou sem água por isso entro no primeiro minimercado
que encontro. Quando vou para pagar a funcionária faz-me um sorriso amarelo e
diz que não aceitam euros. “Tou tramado”, cheio de sede, com a garrafa de água
na mão, sem a poder comprar e com o multibanco mais próximo a vários km de
distância. Um turista que está atrás de mim na fila mete a mão ao bolso, tira
de lá umas kunas (a moeda croata) e paga por mim. Faço o mesmo gesto mas em
sentido contrário. Saco de umas moedas de euro que o rapaz insiste em não
receber mas que eu faço questão de lhe dar. Entretanto estranho não ter sido ainda
alcançado pelos polacos, mas minutos depois percebo que me terão ultrapassado
enquanto eu estava no minimercado, isto porque dois ou três carros em sentido
contrário me fazem sinais no sentido que, mais à frente se encontram outros
ciclistas. Por todo o lado vejo placas turísticas e apercebo-me que estou na
Riviera de Dubrovnik, mas hoje parece que a Riviera está zangada pois um vento
noroeste fortíssimo cria ondas um cenário que nada tem a ver com aquele propagandeado
pelos outdoors. Entro no primeiro parque de campismo que encontro, que tem
acesso directo à praia, algumas dezenas de metros mais abaixo. Aproveito para
tomar um banho de final de tarde num mar revolto, cheio de limos e com uns
quebra-cocos enormes. Nada a que não esteja habituado no oeste português.
Sem comentários:
Enviar um comentário