sábado, 10 de agosto de 2013

A caminho de Thethi

Acordo cedo, todo mordido pelos mosquitos. Não descansei nada, mas penso que tenho 4 horas para o fazer (o tempo que dura a viagem de 68 km entre Shkoder e Thethi). O Arbri diz-me que normalmente as carrinhas que fazem o transporte de passageiro partem às 9, por isso a essa hora estou na rotunda à saída da cidade (ou entrada, na perspectiva contrária). É Sábado e há uma azáfama enorme! Vejo um carro descapotável que levará os noivos de um casamento com uma piscina insuflável cheia no seu interior, pessoas que vendem frangos e patos no passeio, homens de bicicleta com cabritos esfolados pendurados no volante e no centro disto tudo, uma rotunda onde o trânsito flui para dois lados, com motas, bicicletas e pessoas a ziguezaguearem por entre carros que circulam em sentido contrário. Tal como o Arbri me havia recomendado, dirijo-me à primeira carrinha da fila. De todo o lado aparecem homens que perguntam qual o meu destino. Quando respondo “Thethi”, indicam-me o furgão estacionado no lado oposto da rotunda. Pergunto o preço. “7€” – respondem-me. “7? Nem pensar!” É um balúrdio para os padrões locais. Lembro-me de, dois dias antes, passarem por mim carrinhas em direcção à capital, Tirana, em percursos de 80 km e terem escrito no vidro 500 Lek (3,5€). Digo isso ao condutor, mas ele rebate. Diz que tenho razão, mas que para vencerem esses 80km essas carrinhas demoram no máximo duas horas em boas estradas. Aqui vão ser 4, porque metade do percurso é estrada de terra batida e pedras. Não tenho outro remédio, quero mesmo ir a Thethi, por isso aceito. Mas a partida vai ser só daqui a meia hora, explica ele por sinais. Encosto a minha bagagem a uma parede e sento-me no chão, entre uma loja que vende gelados e outra pulverizadores. O senhor da segunda vê-me, faz-me sinal para me levantar e traz-me um banco de plástico. “Oh homem! Obrigado!” Quando me vou para sentar acena com a mão para cima e para baixo, sinal para eu estar quieto. Falta a almofada, claro! Agradeço mais uma vez e espero. 




Passada uma hora sou o único passageiro sentado ao pé da carrinha, mas entretanto o condutor muda-a para o lado oposto da praça e chama-me. É agora! Quando lá chego já um grupo de pessoas vai ocupando os seus lugares. A carrinha leva 15 passageiros, mas eu conto 17, comigo. São todos albaneses por isso eu sou tratado entre eles como o “turisti”. Já estão 15 sentados mas ainda falto eu e uma senhora. Agora já percebi o porquê dos dois bancos de plástico encostados à banca de melancias que fica em frente, mas mesmo assim, só cabe um deles na parte da frente. Gera-se uma confusão enorme! Quem já está confortavelmente sentado barafusta, dá aos braços - ninguém quer ir apertado no lugar durante 4 horas. Nisto o condutor vira-se para mim, arqueia os braços, como que a dizer “tu és forte” e indica-me a zona da bagageira. Arrumamos as malas e ali está um espaço para eu ir sentado “confortavelmente” no meu banquinho. Não consigo tirar da cabeça o pensamento dessa manhã “descanso na viagem”… Pelo que consigo perceber, só eu e a senhora que ocupa o outro banco de plástico somos “outsiders”, todos os outros passageiros pertencem ao mesmo grupo. Entre eles há várias jovens maquilhadas e vestidas a rigor. “Vamos todos para o mesmo sítio?” – penso eu. A primeira hora e meia desenrola-se sem percalços, numa estrada que vai subindo ligeiramente através de um vale enorme, ladeado por cristas rochosas que ocupam os cumes das elevações mais próximas. Quando deixamos o asfalto começa o martírio. A estrada é horrível, com pedras, buracos, curvas e, para piorar, andam a fazer trabalhos de melhoramentos, que vão ainda no início. No inverno ninguém aqui passa, por causa da neve. Até aos 1700 metros, a altitude à qual está localizado o passo de montanha que marca o início da descida para o vale onde se situa Thethi, mais do mesmo: buracos e solavancos.



Paramos no topo. Todos saem, tiram fotos e esticam-se. Penso que o pior já passou, que agora é a descer, por isso vai ser menos doloroso. Passadas apenas umas centenas de metros percebo o quão enganado estou. A estrada é ainda pior e tem de ser reconstruida a cada início de primavera, pois muitas das curvas são justamente em cima das linhas de água que drenam as neves do Inverno. Já não tenho rabo e eu e a bagagem somos agora único corpo. Já não me preocupo em empilhar as malas que caem, para ter espaço para as pernas. Agarro-me com os braços onde posso, sou sacudido de um lado para o outro, salto fora do banco! “Descanso na viagem…” Mas a vista é impressionante: casas e terrenos salpicam aqui e ali o fundo de um vale, sob o olhar de um anfiteatro formado por elevações que chegam aos 2600 metros. Nunca tinha visto uma paisagem assim: quadrados de terrenos verdes, árvores e, nos locais mais elevados, rocha, só rocha. Ao fundo uma parede rochosa que tem 800 metros verticais, a mais alta dos balcãs, dizem. Chegamos! Estou feito num trapo e ainda por cima a carrinha parou a 2 km do local do campismo. Não faz mal, aproveito para descansar e o condutor diz que me pode lá deixar quando iniciar o percurso de volta à cidade, daí a uma hora. Entretanto gera-se uma discussão. O grupo que vinha para pernoitar não gostou do local onde era suposto irem ficar e tentam agora arranjar uma solução. Vão ter de procurar outra casa, porque aqui, felizmente, não há hotéis nem restaurantes - o alojamento e as refeições são feitas na casa das famílias locais. Quando a carrinha inicia novamente a marcha em sentido contrário já não somos 15, mas sim 21: o grupo que vai procurar outro local, eu, os passageiros que seguem para a cidade e 3 velhinhas que aproveitam a boleia para irem até mais abaixo no vale. Como são só dois quilómetros até ao campismo eu vou em pé e agarro-me como posso, já as velhinhas vão em pé na bagageira, tudo aos saltos, como não podia deixar de ser. Monto a tenda rapidamente e dou uma volta pelo local. Todas as casas têm à volta um terreno, com milho, batatas e as tradicionais medas de palha. No centro da aldeia uma igreja lado-a-lado com o campo de futebol local. Após o jantar, enquanto passeio pela margem do rio, vejo caras que me são familiares: são dois dos jipes que estavam no parque de campismo dos alemães, dois dias antes.






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