sábado, 3 de agosto de 2013

Mavrovo - Suc (Albânia)

Debar é último grande aglomerado populacional na Macedónia, antes de se cruzar a fronteira com a Albânia. Para lá chegar ainda tenho que fazer uma subida, cujo início marca também o limite do Parque Nacional de Mavrovo.  Quando chego à vila, o cenário habitual: de um lado e do outro da estrada que atravessa a localidade, lojas de todos os tipos e a típica azáfama proporcionada por uma zona de comércio. Preciso de ir tentar trocar os dinares macedónios que tenho por dinheiro albanês, porque não quero correr o mesmo risco que na Sérvia, onde nenhum banco ou casa de câmbio me trocou dinheiro búlgaro por dinares sérvios. Resultado: ainda ando com 50 euros em moeda búlgara e não nos consigo trocar nem usar. Tentarei no aeroporto quando regressar a Portugal. No banco o funcionário é prestável. Não fazem o câmbio ali, mas liga a uma casa onde o posso fazer, para confirmar se têm a quantia que necessito. Resposta afirmativa. A casa de câmbio tem um aspecto velho e desarrumado, nada parecido às outras que tenho apanhado até agora. Fico desconfiado, mas só até ao momento em que vejo as notas albanesas do outro lado do balcão. O dono é brincalhão, diz para eu passar para o lado de dentro para conferir o câmbio. Está tudo certo. Depois de me perguntar a nacionalidade, pede para que aponte no mapa o local de onde sou. Já estou montado na bicicleta pronto para me ir embora quando me pergunta se tenho passaporte. “Claro!” digo eu. “Ah…ok! É que se não tivesses podia arranjar-te um.” Eu já venho com a cabeça cheia de histórias da Albânia, porque toda a gente me diz que é um país perigoso e sem lei. Será este um prenúncio daquilo que irei encontrar daqui a 7 km? Eu acredito que não. Acredito que se tiver as precauções de segurança normais em qualquer local do mundo, tenho mais probabilidades de estar longe de problemas.




 Na fronteira, ainda do lado Macedónio, o guarda faz cara de mau. Às vezes este pessoal gosta de fazer sentir que é importante e que nós estamos nas mãos deles e o pior é que estamos mesmo. Eu ignoro-o. Quando me vai devolver o passaporte, bate com ele em cima do balcão, sorri e atira “Portugal! Cristiano Ronaldo!” Faço um sorriso amarelo e desapareço em direcção ao lado albanês. É impressionante como uma linha imaginária chamada fronteira pode encerrar tantas diferenças entre os dois lados que a compõem. Estou há poucos quilómetros na Albânia e a diferença para a Macedónia é evidente: casas mais pobres, crianças sujas a guiarem rebanhos, outras a pedirem-me dinheiro, ausência total de indicações na estrada e nas localidades, lixeiras na beira da estrada, enfim… um país sem lei! Mas também sorrisos sinceros e humildes, acenos e apitos dos carros, crianças que correm ao lado da bicicleta e a cada 5 minutos um “Hello! How are you? Where are you from?” ditos com uma dicção perfeita! A paisagem, essa, contínua igual: montanhas, montanhas e mais montanhas! Mas nem por isso a estrada é difícil, pelo contrário, desenrola-se paralela a um rio e o asfalto em boas condições faz com que as pedaladas sejam fáceis. A certa altura começo a ver distribuídos pela paisagem dezenas de bunkers. Saberei depois que são cerca de 700 mil espalhados por todo o país, que foram construídos num rácio de 1 por cada 4 habitantes, durante o período em que o líder comunista do país, Enver Hoxha, esteve no poder. 






Entretanto começa a trovejar e vejo um aguaceiro enorme à minha frente e um fogo provocado por um raio numa das encostas. Reparo agora que este é o primeiro fogo que vejo em toda a viagem. Em países que têm floresta por todos os lados, só um fogo em 3 semanas. Lembro-me de Portugal, da área florestal que possui e do número de fogos que todos anos matam mais um bocadinho do país. Mas aqui não há esse cancro que decidiram introduzir em massa no meu país, essa árvore "tipicamente" portuguesa chamada eucalipto e não há, consequentemente, os interesses económicos associados. Ok! A indústria da celulose exporta muito, mas isso é razão para varrermos o país com plantação de eucaliptos? Será que não conseguimos fazer nada com moderação, de forma sustentada (agora que essa palavra está tão na moda)? Ainda mais com esta lei suicida que o governo aprovou, onde em qualquer propriedade com menos de 5 hectares se poderá plantar qualquer tipo de árvore sem dar cavaco a ninguém. E depois, quando os solos ficarem completamente esgotados, vamos comer o quê? Eucaliptos? Pode ser. Já imagino as noticias de Portugal no mundo daqui a uns anos: "Portuguese - the new Koalas of Europe", com pessoal pendurado nos eucaliptos a comer aquelas folhas "tenrinhas". Às vezes fico sem forças para lutar mentalmente contra tanta incompetência por parte de muitos daqueles que supostamente deveriam corresponder às nossas necessidades. Às vezes apetece-me dizer "destruam tudo, acabem com o que nos sobra de bom!" E as coisas vistas daqui, à distância, ainda ganham contornos mais ridículos. Quando me perguntam como está o meu país e eu conto só uma ou duas coisas, oiço sempre a mesma reacção: risos e mais risos, do ridículo de certas situações. Enfim... 


Tenho duas possibilidades: fico à espera que o aguaceiro passe ou atravesso-o. Escolho a segunda hipótese porque não sei quanto tempo vai durar e até sabe bem um bocadinho de chuva com tanto calor que se faz sentir. Sempre a subir, encontro-me agora num vale aberto em cujas encostas se vêm manchas negras aqui e ali. Percebo que se trata de uma zona mineira e a cidade que lhe serve de base é um aglomerado de prédios feios e sujos. Quando chego ao topo, que marca também o final da subida, tenho de me abrigar junto a um camião porque a chuva aumentou de intensidade entretanto e também acabou por apagar o fogo. A natureza  põe e dispõe. Os próximo quilómetros irão ser sempre a descer. Pelo meio, paro numa fonte para encher os 2 bidons de água mas um grupo de pessoas que por ali está diz que é melhor não porque com tanto calor até aquela água está morna. Uma das mulheres tira da sacola uma garrafa de água quase em gelo e despeja-a num dos meus bidons. Agradeço e continuo. Reparo numa particularidade que ainda não tinha observado nos países por onde passei até agora: as aldeias não são propriamente aglomerados de casas, mas extensas áreas de terrenos pontilhados por habitações aqui e ali, ligadas entre si por carreiros de pé-posto. É fácil perceber porque a Albânia não consegue gerar muita riqueza...





Sei que há um camping aqui perto, na aldeia de Suc, mas antes de lá chegar ainda me cruzo com o primeiro viajante de bicicleta que vejo nesta viagem. Chama-se Karol, é eslovaco e está no primeiro mês de uma volta ao mundo que irá durar aproximadamente 3 anos (podem seguir a sua viagem em www.worldbiketravel.com ). Tiramos fotos um ao outro, trocamos contactos e desejamos boa viagem. Fico com uma vontade brutal de virar o volante, de desaparecer com o Karol durante uns anos e fugir da rotina em que a vida se transforma em certas alturas. Mas nós somos os donos do nosso destino e só depende de mim mudar isso! Quando chego ao camping fico espantado… a placa indica para o local onde se ergue uma igreja em pedra, ladeada por um relvado e árvores muito bem tratados. Sim é mesmo aqui! A igreja e a casa em frente pertencem a uma congregação de freiras italianas, que têm aqui um projecto de ajuda a crianças desfavorecidas. Ainda mais espantado fico quando me pedem 8€ para acampar. Que roubo! Decido aceitar na mesma. Dou a volta à igreja de pedra e a única tenda no parque tem uma bicicleta ao lado. “Será alguém a viajar de bike?”, penso. Claro que sim! É a Bernii, australiana que anda também a viajar pelos balcãs, mas durante 4 meses, no sentido inverso ao meu (podem ver a sua viagem em www.travelblog.org/Bloggers/Bernii ). Conversamos e combinamos juntar a comida que trazemos connosco para fazer o jantar. As próximas horas são passadas a falar dos planos de cada um para a viagem, conselhos, rotas, da vida, das preocupações, das alegrias… é bom chegar ao fim de um dia a pedalar e poder partilhar tudo isto com alguém. Ela dá-me um mapa que já não precisa e que me vai ser útil e vice-versa. Antes do sol se esconder por detrás das montanhas fazemos ainda um jogo a contar quantas sombras de montanhas diferentes conseguimos vislumbrar no horizonte. Sete é o máximo que conseguimos distinguir. É durante este tempo que ela me fala pela primeira vez de um local que desconhecia: Thethi, no Norte da Albânia, quase na fronteira com Montenegro. Diz que lá tenho de ir, que é lindíssimo e isto vindo dela, que já tem na bagagem viagens que nunca mais acabam, é informação 100% fiável.







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