quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Deambular pelo paraíso

Vim a Thethi com uma recomendação expressa por parte da Bernii – fazer o trilho até Valbona, a aldeia localizada no vale que se encontra do outro lado da montanha. Como são 7 horas de caminhada até lá não vou poder fazer todo o percurso, porque depois não tenho tempo de voltar para trás. Assim decido ir só até ao passo de montanha que fica sensivelmente a meio-caminho e depois regressar. Mas para chegar lá acima tenho de subir cerca de 1000 metros e caminhar pelo menos 8 quilómetros, por isso acordo cedo e às 8 e meia já estou a caminho. Nem 10 minutos tenho eu a andar, quando vejo 3 cavalos carregados à minha frente no mesmo percurso, tal como tinha acontecido semanas antes em Rila, na Bulgária. São carregadores que fazem o transporte das bagagens de um grupo que segue a pé até Valbona, local onde irá pernoitar. Com os cavalos seguem dois rapazes e um homem já com uma certa idade. Quando me vêm chamam-me para seguirmos todos juntos. Apresentamo-nos e a conversa vai-se desenrolando a bom ritmo. Vivem os 3 em Thethi e ganham a vida a transportar a bagagem dos turistas entre as aldeias, enquanto estes fazem trekking pela região. Levam um ritmo considerável por isso pergunto a um dos rapazes que idade tem o homem que segue connosco. “70” – diz-me este último com 7 dedos levantados e a sorrir.  Logo a seguir faz um sinal a deixar cair a mão. O rapaz mais novo traduz: “no sex!”, como que a dizer “Ainda subo isto mas já não há “brincadeira” p’ra ninguém” eheh! Rimos todos e eu questiono a mim mesmo quantos jovens conseguiriam acompanhar nesta subida este senhor coxo e com a coluna completamente desalinhada. É certo que o homem deve estar farto de fazer isto, mas mesmo assim estou impressionado! 




Entretanto cruzamo-nos com o grupo cujas bagagens seguem com os cavalos. São 11 alemães que andam a fazer trekking durante 9 dias por estes lados com um guia local. Eu não quero perder a companhia dos 3 homens e dos cavalos por isso, depois de me despedir dos alemães acelero o passo para reencontrar novamente os animais e respectivos donos. Este trilho passa em locais que são habitat de ursos e lobos, mas como é utilizado há séculos pelos habitantes locais para fazer a ligação entre estas duas aldeias, que no inverno ficam completamente isoladas do mundo, eu não consigo ver nenhum dos dois. A subida é difícil e faz-se ora ao abrigo das árvores, ora pelo meio de clareiras na vegetação. A vista, essa, é brutal! Cada curva no trajecto revela uma nova perspectiva sobre o vale e as montanhas circundantes. Depois de cerca de 3 horas de subida chegamos ao passo que marca o ponto mais alto do percurso. A vista que se tem para o vale onde fica a aldeia de Valbona é ainda mais impressionante. Despedimo-nos. Eles seguem, eu volto para trás. Mas não agora. Primeiro, a pedido do pastor que está longe de mais para alterar o percurso que as suas cabras levam, ainda conduzo o rebanho correndo pelo trilho com os braços abertos e enviando pedras para o local onde alguma cabra mais isolada se encontra. O pastor assobia, agradece e faz um aceno em sinal de adeus. Eu faço o mesmo e sento-me numa pedra à beira do trilho, almoço e fico ali mais de uma hora a contemplar a paisagem. Outros caminhantes passam por mim, trocam palavras de ocasião e seguem o seu rumo, mas um deles pára e mete conversa. É de Thethi, trabalhou na Itália durante 6 anos, mas regressou às origens porque adora a montanha e este é o seu principal meio de sustento: é guia de trekking. Trocamos algumas impressões e enquanto o oiço reparo num pormenor engraçado: fala num tom baixo, que transmite uma tranquilidade impressionante. Aliás, todas as pessoas que tenho conhecido até agora que vivem na montanha são mais ou menos assim. Não admira… têm nelas toda a paz que estes locais transmitem.




O tempo começa a ficar negro, por isso decido que está na altura de regressar. Passadas 2 horas e estou de novo no local onde tinha deixado a tenda. Ao meu lado estão agora os dois jipes dos alemães de há dois dias atrás. Um casal com um filho de 14 meses e um amigo. Também eles me reconhecem e perguntam se vim até aqui com a bicicleta. Sorrio. “Nem pensar! Mas no caminho para cá passei por 3 malucos que o iam fazer”, respondo. Dizem-me que vão jantar na casa da família que serve de apoio ao campismo e perguntam-me se não me quero juntar a eles. Por 5€ a troco de comida caseira aceito e não me arrependo. Durante o jantar o amigo do casal conta-me que já esteve antes em Marrocos e que a Albânia só lhe faz lembrar Marrocos. Afinal não sou só eu a ver África aqui…




Quando a carrinha me deixou no camping quando cheguei a Thethi, o condutor disse-me que a hora de partida, de volta a Shkoder, é às 15h todos os dias. Mesmo assim quando acordo, pergunto ao dono do camping se ele sabe a hora a que a carrinha que sai mais cedo de Thethi deixa a localidade. "Meio-dia", escreve ele no chão com uma pedra. Ok, ainda tenho tempo, por isso dou uma caminhada até à cascata que fica a meio do Canyon que segue com o vale para Sul. É uma cascata formada apenas pela neve que vai derretendo, por isso quando deixa de haver neve, a cascata morre. É uma caminhada rápida mas bonita, ao longo do rio que apresenta aquele azul que não encontro palavras para descrever. Às 11h estou de volta ao camping para arrumar a tenda. Volto a perguntar o horário da primeira carrinha a uns rapazes. “2 da tarde”. Mau! Já são 3 horários diferentes que me apresentam. Vou esperar que cheguem as primeiras carrinhas que vêm da cidade para perguntar directamente aos condutores. Quando faltam poucos minutos para o meio-dia chegam duas seguidas. Pergunto ao condutor da primeira. “4 da tarde”, é a resposta! Hum, mas isso é muito tarde penso. Pergunto ao da segunda. “Daqui a uma hora.” Perfeito. Sento-me, espero e passados 20 minutos a carrinha pára em frente ao camping e apita para seguirmos. Somos só 4 passageiros: um local, eu e um casal alemão - a Maria e o namorado.



A conversa entre nós começa tímida mas rapidamente evolui para gargalhadas e trocas de perspectivas sobre os dias que ambos passamos em Thethi. Finalmente percebo porque raio alguém decidiu um dia vir para aqui viver: com a chegada dos turcos, alguns séculos antes, os católicos tiveram de se refugiar nas áreas mais remotas daquele que é hoje o território albanês. E parece que não se deram mal, porque a escola local continua a em funcionamento, ainda que apenas com 6 alunos. É que a maior parte dos habitantes regressa no Inverno à casa principal que possui, mais perto da cidade. Os que ficam têm de lidar com vários meses de isolamento e pelo menos 2 metros de neve durante todo o inverno. Agora não há bancos de plástico, vou confortavelmente sentado num banco de 2 lugares só para mim. A Maria conta-me ainda que na vinda para Thethi tiveram uma situação hilariante: um casal de idosos franceses, que teve de subir de joelhos para a carrinha, exigiu que o condutor parasse a cada meia hora de viagem para que estes saíssem e apanhassem borboletas para a sua colecção. Numa dessas paragens desapareceram e só voltaram passada uma hora e meia. Escusado será dizer que a viagem demorou quase 6 horas ("só" mais duas do que o normal), para desespero do condutor e das pessoas que tinham afazeres em Thethi. Paramos num café para o condutor e o outro passageiro virarem umas cervejas. A Maria e o namorado aproveitam e convidam-me para um chá. Eu retribuo e convido-os para minha casa quando visitarem Portugal. Parece que vai ser no próximo ano! Após este pequeno descanso a viagem segue muito mais animada... o condutor e o amigo riem agora como se não houvesse amanhã. Nós não nos conseguimos conter e fazemos o mesmo!



Chegamos a Shkoder, eu saio em frente ao supermercado para fazer compras para os próximos dias e vou ao apartamento do Arbri buscar a bicicleta e o resto da bagagem. O plano é pedalar uns quilómetros e ficar num camping já perto da fronteira com Montenegro. Despeço-me do Arbri que foi um anfitrião fantástico e pedalo à luz de um fim de tarde melancólico, com um lago e as montanhas como pano de fundo. O camping fica na margem Este do lago e qual não é o meu espanto quando chego lá e vejo novamente os dois jipes dos alemães que tinha reencontrado em Thethi. Rimo-nos, conversamos sobre como foi o dia de cada um e quando vou para escolher o local para montar a tenda, um motociclista chama-me e diz que ao abrigo da vedação de madeira talvez seja uma boa opção, porque no dia seguinte vai ser um local à sombra dos primeiros raios de sol. Chama-se Seb, é alemão e está no início de uma viagem de um ano que o levará até à Austrália. Antes do jantar ainda aproveito para dar um mergulho no lago mas depois começo a pensar para que local serão despejados os esgotos do camping e das aldeias das redondezas e 5 minutos lá dentro são suficientes para matar saudades da água.



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