quarta-feira, 31 de julho de 2013

Mavrovo

A primeira prioridade do dia é ir à procura de uma máquina fotográfica! Depois de alguns ziguezagues pela cidade lá encontro uma loja pertencente a uma cadeia internacional. Compro a máquina mais barata. A partir de agora tenho uma regra de ouro: colocar sempre o fio da máquina à volta do pulso antes de tirar qualquer foto. Antes de deixar a cidade passo pelo trabalho do Ardi e sou convidado a tomar uma Boza - bebida típica albanesa - no café em frente. Conversamos, trocamos pontos de vista, contactos e ficamos amigos.




Sigo para Mavrovo, o local onde planeio ficar hoje acampado, nas margens do lago com o mesmo nome. O mapa marca cerca de 30 km até lá, mas quase sempre a subir, porque o lago fica a 1200 metros de altitude. Mais uma vez procuro uma estrada que siga mais ou menos paralela à principal, para evitar o trânsito e os camiões. As aldeias vão-se sucedendo com cada vez menor frequência, dando lugar à floresta e à tranquilidade, só quebrada pelos chamamentos das mesquitas para a oração. Perto da hora de almoço encontro uma povoação perdida na vertente da montanha. Se quero comprar alguma comida vai ter de ser agora. Entro num mini-mercado que só tem bolachas, chocolates e guloseimas. Não precisa de ter mais, os restantes alimentos as pessoas cultivam no quintal de casa. Estão duas raparigas muito jovens atrás do balcão a jogar no portátil. Faço gestos para pedir o que quero levar e de umas hesitações e enganos pergunto à mais velha se fala inglês “Yes! What do you need?” – responde com uma dicção perfeita.




Abastecido, sigo montanha acima até encontrar a estrada principal, por onde terei inevitavelmente de seguir até chegar ao cruzamento para o lago. Uns quilómetros à frente e vejo, na faixa contrária, um camião avariado. Paro e pergunto se falta muito para o cruzamento. O homem atravessa a estrada coberto de óleo por todos os lados, diz-me que estou quase lá e pergunta-me de onde sou. “Ohh! Portugalia!!” E esfrega o polegar e o indicador, sinal universal de dinheiro. “Mau! Queres ver que este chefe agora quer dinheiro?” – penso eu. Claro que não! Que pensamento mais parvo! Percebo isso quando este continua a esfregar os dedos e diz “Portugalia!! Crisa!!” – atira. “Ah pois é amigo! Crisa, crisa! Aquilo lá está do pior! Nem as aves migratórias lá querem parar com medo de levarem com uma taxa qualquer do governo” – penso eu e a rir ao mesmo tempo! Respondo com um suspiro e um “Oh yes! Crisa, crisa!!!”
Depois do cruzamento a estrada empina ainda mais, está calor e 1 hora depois estou finalmente com o lago à minha frente. Uma paragem no centro de visitantes do parque nacional para perguntar quais as zonas permitidas para campismo, uma shopska salad (o prato tradicional, comum à Bulgária, que consiste numa salada de tomate e pepino com  queijo de cabra ralado) num café à beira da estrada e estou pronto para colocar a tenda, fazer o jantar e dormir, embalado pelo bater da água nas margens e pelo som do vento nas copas das árvores, que cobrem quase toda a paisagem.



A rotina desde o acordar até ter tudo pronto para começar a pedalar demora sempre o mesmo tempo. Entre uma hora e uma hora e um quarto. E hoje não foge à regra. A partir do lago, em direcção a Oeste, à fronteira com a Albânia, é sempre a descer através de um vale que ora se fecha a pique, ora se abre para deixar ver os cumes de alguns dos picos mais altos do parque, onde ainda persistem as últimas neves. A estrada é estreita, por isso tenho de ter atenção e não me deixar “adormecer” com a paisagem porque os camiões passam a alta velocidade, apitando e fazendo algumas razias de vez em quando. Eu não me fico atrás e respondo com alguns “mimos” em bom português! Ao meio dia já está uma trovoada enorme formada e eu aproveito as primeiras pingas e uma casa abandonada à beira da estrada para fazer uma paragem para o almoço. Entretanto um motociclista vem em sentido contrário, vê-me e pára a moto à minha frente. É suíço vai dar a volta ao Mar Negro com um colega (que foi impedido de entrar na Macedónia por causa de uma embirração de um guarda na fronteira – encontrar-se-ão daí a dias em Tessalónica, na Grécia), regressando depois pelo Norte da Europa a casa. Trocamos impressões acerca dos países por onde já passamos, damos dicas um ao outro e nessa mesma altura pára de chover. A seguir paro num café para comprar uma bebida, o dono mete conversa e tiramos uma foto juntos.




Mesmo sendo a descer eu estou cansado, o que significa que vou ter de parar entretanto por hoje. É uma coisa que se aprende rapidamente quando se viaja de bicicleta: ouvir o corpo! E se este diz que é para parar, não vale a pena contrariar. No centro de visitantes tinham-me falado num mosteiro, uns quilómetros mais à frente do local onde estou, onde seria possível colocar a tenda ou alugar um quarto. Decido investigar. O mosteiro ortodoxo fica numa vertente escarpada, uma zona lindíssima, rodeada de vegetação por todos os lados e a partir do qual se podem observar duas aldeias perdidas na encosta oposta. À entrada, pergunto ao segurança se é possível acampar ou alugar um quarto. Diz-me para entrar no mosteiro e perguntar aos monges. Mas para isso tenho de vestir umas calças, que estão à disposição dos visitantes num cesto ao lado do arco da entrada. Andam em trabalhos de construção de uma nova área. Aproximo-me de um monge e digo quem sou e o que me traz aqui. Nem me responde à questão do campismo. Diz-me que para se pernoitar tem de ser com reserva, mas que o melhor é falar com o monge encarregue das reservas, que se encontra no interior da igreja. Para chegar à fala com o senhor, tenho de passar primeiro por dois indivíduos que me parecem empregados do mosteiro. Um passa a mensagem ao outro e esse, por sua vez, passa a mensagem ao monge. Este último manda chamarem-me. Apresento-me novamente, desfaço-me em amabilidades e digo que estou cansado, que preciso de um sítio para pernoitar e que no centro de recepção do parque me disseram que aqui seria possível. Não vai dar! “Há um hotel a uns 12 km daqui, lá pode tentar pernoitar”. Ok! Agradeço a informação e volto à estrada. Ficar num hotel está completamente fora de questão.




Ando com azar! Quando preciso mesmo de encontrar um sítio para ficar, estou sempre numa zona onde o relevo nem permite acampar. Numa aldeia pergunto a um senhor se há quartos para alugar. “Não, aqui não!” Mas diz-me que posso tentar mais abaixo na estrada e faz-me um desenho com uma pedra do local onde devo procurar. É o que faço e só demora 5 minutos a ter a chave de um quarto na mão, depois de perguntar na mercearia que fica ao lado da casa onde acabo por me instalar.


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