quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Zlatica - Crkvine

Já passei por alguns canyons nesta viagem, por isso quando começo a pedalar penso que este vai ser mais um, até porque a paisagem que se vislumbra do seu início não é nada de transcendente. Puro erro. A natureza é, para mim, a única forma de perfeição existente, simplesmente porque não podia ser de outra forma. Está sempre a surpreender-me, a cada curva, a cada pormenor. E aqui não é diferente! Um canyon que começa por desenvolver-se numa área aberta, com o leito do rio escavado a pique umas dezenas de metros abaixo da cota mais baixa do vale, rapidamente estreita até chegar a uma certa altura em que nem eu consigo adivinhar qual será a orientação da próxima curva. Os túneis sucedem-se às dezenas. Não há berma e os espaços para parar são muito distantes uns dos outros, por isso quando, antes da entrada de um túnel, vejo um estaleiro de obras com o que me parece ser uma espécie de garagem, paro para almoçar. Afinal não é garagem nenhuma. É um camião enorme que parece um aranhiço, com uma estrutura semicircular em ferro que serve para compactar o betão que andam a colocar no tecto dos túneis. 






Passada uma hora continuo… Até agora todos os túneis tinham no máximo cento e cinquenta metros, por isso na entrada de cada um já se vislumbrava a luz de saída. Mas agora estou a entrar num onde não vejo luz ao fundo. Depois de uns metros a escuridão toma conta do cenário… “Eh lá, que isto ‘tá escuro aqui! Está mesmo escuro… já não vejo nada. Ah agora sim, uma luz ao fundo! Chiça!!! É um camião e eu  estou no meio da estrada!” Ele apita, eu guino para a berma e encosto-me à parede de rocha completamente no escuro. Que estúpido! Já devia ter tirado o frontal para prevenir uma situação destas (não estou preocupado com quem me vê, porque tenho reflectores espalhados pela bicicleta, mas sim em tentar ver a estrada). É o que faço de seguida e agora sim vislumbro o caminho até à saída. No final do canyon fica um mosteiro e num mosteiro há sempre uma fonte. Aproveito e paro para abastecer os bidons com a água fresca. Ao longe vejo pontos minúsculos a subir pelo único local possível para sair daqui… montanha acima. Carros e camiões escalam a esta crista rochosa até chegarem ao topo, situado umas centenas de metros mais acima. É por ali que vou ter de passar! Não sei quanto tempo vou demorar, por isso faço um segundo almoço. É a segunda grande “escalada” nesta viagem e nestas situações há uma coisa que a própria subida nos encarrega de nos ensinar e relembrar a cada metro que passa: a ser humildes. Com as espectativas (é por isso que as tento manter sempre no nível mais baixo possível) e com a forma como a encaramos. Com esforço chego ao topo, compro uma garrafa de água e começo a descida. Do lado esquerdo do rio que vai descendo a montanha entre floresta cerrada, a estrada, do direito casas aqui e ali. Já falta um par de horas para o sol se esconder por isso decido tentar encontrar um local onde passar a noite. Após uma curva em gancho vejo uma ponte de madeira, duas casas na margem oposta, um local anexo com árvores, um riacho e por fim um homem a regar as batatas. 




Atravesso a ponte e atiro um “Hello!”. De início o senhor, já de idade fica surpreso por me ver, mas depois, por gestos, pergunto se não há inconveniente de montar a tenda ali ao lado, debaixo das árvores. O homem não me liga muito e faz um aceno com a cabeça. Não percebo o que quer dizer e fico parado. Quando ele repara que eu ainda ali estou faz um sinal com a mão e eu estico o dedo em sinal de ok! Vou ficar aqui hoje. Quando me preparo para montar a tenda aparece a mulher do senhor. Simpática! A senhora apresenta-se, eu também (desfazendo-me em agradecimentos) e pergunta-me se falo francês! “Epah! Agora é que você me tramou!” – penso eu. Se o meu inglês já não é grande coisa o francês é uma miséria! Mas pronto, vou tentar ver se sai alguma coisa. Conversamos um bocado, diz-me que posso utilizar a torneira ao lado de casa porque a água é boa e de seguida aparece o marido, sorridente a falar pelos cotovelos… mas em sérvio, a língua oficial do país. Eu sorrio, aceno a cabeça em sinal afirmativo e fico envergonhado por não perceber nada. Mas ele fica contente na mesma! Quando já estou sentado a cozinhar o jantar na mesa de madeira que ali está para os almoços de família, chega a filha do casal. Mas não chega sozinha. Com ela traz qualquer coisa embrulhada em papel de alumínio. É um queijo de vaca caseiro, meio folhado (nunca tinha visto nada assim) e é para mim! Não sei como agradecer. Eu, que vim aqui quase invadir a vida normal destas pessoas, ainda sou “mimado” com uma coisa destas. Ficamos um bom bocado à conversa. A senhora vive em Paris, está de férias e diz-me que já esteve por duas vezes em Portugal. Que na primeira delas era jovem e foi à aventura, só com o dinheiro no bolso e que logo no Porto conheceu uma família que a convidou a ir até à sua casa em Braga e que depois a levaram a duas igrejas que ficam lá no alto. Foi há muitos anos. Diz que ficou impressionada com a hospitalidade portuguesa por isso voltou, tempos depois. Vejo nos olhos e nas palavras dela aquele brilhozinho de saudade das coisas que se fazem quando somos jovens e que deixamos para trás quando somos mais velhos por motivos que às vezes nem conseguimos explicar. Diz-me também que em Montenegro estou bem, que as pessoas são tranquilas e que não há aqui a confusão da vizinha Albânia, por exemplo. Antes de se ir embora ainda me diz que se precisar de algo é só bater à porta, que estou à vontade! Deito-me a pensar nisto, que só vem dar razão áquilo em que acredito… o mundo está cheio de gente boa, os noticiários na televisão é que nos fazem querer convencer do contrário. Quem faz os sítios são as pessoas e a maior razão que eu tenho para viajar é querer conhece-las.




Sem comentários:

Enviar um comentário