quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Tara...

Hoje é o dia em que vou entrar no Canyon Tara, que juntamente com o parque Nacional do Durmitor, fazem parte da lista dos locais classificados como património da humanidade pela Unesco. Aproveito a última cidade que vou encontrar nos próximos dois dias para fazer compras e comer mais um burek na padaria em frente ao supermercado. É Domingo, mas tal como nos outros países por onde tenho passado, uma boa parte do comércio está aberta e muitas pessoas trabalham. Ainda não é meio-dia e já está formada uma trovoada que deixa cair uma chuva grossa. Espero uns minutos e assim que abranda ponho-me a caminho. Sinto-me sempre como uma criança quando volto à bicicleta depois de um ou mais dias de paragem e hoje não é excepção. O que começa por ser um vale enorme, começa aos poucos a estrangular, até dar lugar ao canyon propriamente dito. 



Ao aproximar-me de uma aldeia começo a vislumbrar um aglomerado de pessoas e carros à distância. Penso tratar-se de alguma festa, mas quando chego ao local percebo que se trata de um funeral. O corpo é velado dentro de uma pequena casa e todas as pessoas estão sentadas à conversa em bancos de madeira colocados no relvado imediatamente ao lado. Ainda vou a pensar na dor daqueles que perderam alguém querido quando vejo um ciclista com alforges no sentido contrário! Este assim que me vê atravessa, a estrada até finalmente ficarmos frente frente. Chama-se Seweryn, é Polaco e vai até à Macedónia, para depois voltar para trás, de encontro ao seu país. Trocamos contactos e informações dos locais onde cada um já passou, que irão ser uteis nos próximos dias, quer de um quer de outro. Conto-lhe acerca dos meus planos para o meu trajecto através de Montenegro e as palavras que o Seweryn mais repete quando lhe pergunto informações acerca da estrada em determinados locais por onde já passou em Montenegro é  “Man, that is a crazzyyyyy road!!” Está exausto porque tem pedalado uma média de 150 km por dia. Eu digo-lhe que faço menos de metade, que gosto de ir devagar e que, principalmente, não tenho as pernas de pessoas como ele. Passados 20 minutos estou no camping que fica numa espécie de planalto pendurado sobre o rio Tara, envolvido pelas paredes escarpadas do canyon.





Logo pela manhã converso com um francês (que viaja com um amigo numa antiga auto caravana) que me apitou ontem antes de chegar ao parque. Diz-me que o plano para as férias deste ano era (ele e o amigo) ir a Portugal ou até aos balcãs. Acabaram por escolher a segunda opção e regressam agora a casa, depois de terem descido a costa até à Grécia. Está um vento fresco óptimo para pedalar e a paisagem não podia ser mais convidativa. O canyon Tara aperta cada vez mais até ficarem só duas paredes de rocha de cada lado do rio, com árvores que nascem em locais onde só existe pedra. A estrada segue pela escarpa da esquerda, entre curvas e tuneis. A certa altura vejo mais um ciclista em sentido contrário. É francês e vai até Istambul. Trocamos as informações habituais acerca da estrada e inclinações que cada um irá apanhar no seu percurso até ao destino desse dia e quando este me pergunta qual será a próxima aldeia com um mini mercado onde possa comprar pão para comer com a lata de atum que leva na bagagem, abro o meu alforge e parto metade do pão que tinha acabado de comprar para lhe dar. Sorrimos os dois: ele porque vai ter comida para o resto dia e eu porque vejo cair pedras da ravina ao nosso lado e não em cima de nós. Até ao final do canyon a paisagem mantém-se magnífica, acompanhada pelo corrupio das carrinhas que transportam turistas e barcos para o início de um dos percursos de rafting mais famosos por estas bandas. No final da garganta rochosa está uma ponte que se eleva 150 metros acima do rio e que constitui uma das atracções desta área. É o primeiro “banho” de turistas que levo desde o início da viagem… Centenas de pessoas, a maior parte integrada em excursões, circulam na ponte para tirarem fotos, comerem um gelado ou comprarem um souvenir. Estou impressionado com este movimento de gente mas tenho uma missão para o dia de hoje que não me permite perder muito tempo aqui. 




É que desde a ponte até Zabljac, onde irei ficar os próximos dias, vai ser sempre a subir, pelo que vi no mapa, até aos 1450 metros, altitude a que se encontra localizada a vila. Estou preparado para umas 4 ou 5 horas em cima da bicicleta para vencer os 22 km que me separam da localidade e os primeiros 10 são uma estrada que serpenteia pela vertente inclinada do canyon. Tenho sorte porque as árvores fazem sombra na maior parte da subida, o que é uma ajuda enorme. Passada cerca de uma hora e meia estou no topo da encosta do vale. Ao longe a paisagem é brutal. Campos verdes, pontilhados com zonas de floresta aqui e ali, circundam o maciço do parque Nacional do Durmitor, onde se vislumbram picos nevados que se esticam como agulhas em direcção ao céu. Qual não é o meu espanto quando reparo que daqui até Zabljac a estrada não varia muito de cota, o que quer dizer que o pior já passou. À chegada noto que a vila em si é constituída por uma rua principal com os serviços básicos e por casas que se dispersam pela paisagem. Este é o centro de desportos de inverno de Montenegro e tem a particularidade de estar rodeado de 22 picos acima dos 2200 metros. Esta morfologia, acompanhada por mais 100 km de trilhos marcados para caminhadas, faz deste um local de passagem obrigatória para quem gosta de actividades de ar livre. Além de rafting, a zona oferece ainda excelentes condições para a prática de canyoning, btt, escalada, trekking, observação de aves, etc. Quase todos os percursos pedestres partem do Crno Jezero, o lago que fica praticamente adjacente ao centro de recepção de visitantes e nas suas imediações situam-se dois campings. Escolho o que fica mais distante do lago e não me arrependo. Localizado numa encosta virada a nascente, a vista para dois dos picos mais emblemáticos do parque é fantástica. Eu também não quero perder esta vista por nada por isso coloco a tenda com a entrada virada para a montanha. O camping é gerido por uma família local super-simpática e que recebe todos os visitantes com o tradicional copo de Rakija. À noite uma fogueira enorme é acesa e quem quiser pode sentar-se num dos troncos de madeira, dispostos em círculo em torno do lume. Não posso pedir mais que isto… o som dos troncos a arderem, acompanhado com o de uma viola que é entregue todas as noites a quem dela souber tirar uns acordes e ao fundo as montanhas, recortadas pela luz de uma lua cheia, embalada por um céu estrelado.



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