segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A caminho do Adriático

O dia acorda com um sol lindíssimo e o meu estado de espírito parece estar em sintonia com a natureza que me rodeia. Sinto-me leve e feliz. Desmonto a tenda, coloco os alforges na bicicleta e dirijo-me à mesa de madeira colocada em frente à casa do casal que detém o camping, que além de recepção, serve também de ponto de encontro e de local de refeições. Pago um valor irrisório por 4 noites de campismo, com direito a frigorífico, fogão para cozinhar e uma vista brutal sobre alguns dos picos do parque. A dona convida-me para me sentar e acompanhá-la no pequeno-almoço. A filha, que não deve ter mais de 8 anos, já fala um inglês quase perfeito, fruto do contacto com os estrangeiros que vão passando pelo parque. Oferece-me uma taça de salada de fruta com canela. Digo-lhe que está deliciosa e ela responde: “I made it”. Depois pergunta-me se tenho irmãos, que idade é que têm e que idade tenho eu. Ao ouvir a minha resposta, sorri com uma ternura pura e simples, imagino que reflexo da vista que tem da janela do quarto. A dona despede-se de mim com um abraço e um “Boa viagem”. Antes de deixar o parque ainda reparo no boneco de madeira que está colocado à entrada deste. Com uma mochila, um bastão de caminhada, um boné e… uma coisa típica das Caldas da Rainha, desta feita em madeira, não em loiça. No centro da vila, depois de consultar a internet reparo que, quando estou a arrumar o portátil na mochila, alguém plantado no passeio olha para mim. É um mochileiro, acompanhado de uma viola. Já vi esta cara em algum lado mas não me consigo recordar onde. Ele faz questão de me lembrar: em Skopje, capital de Macedónia, umas semanas antes, na saída à noite pelos clubs mais badalados do país. Abraçamo-nos, rimo-nos da coincidência e falamos dos itinerários que nos trouxeram aqui, a este momento!| Ele foi pelo Kosovo, eu segui pela Albânia. O destino quis que nos voltássemos a encontrar agora. Com toda a emoção esqueço-me de tirar uma foto. Não faz mal. Pode ser que o volte a ver outra vez, um dia...  





Começo a pedalar, mas tenho de tomar um decisão… Existem duas hipóteses a partir daqui: ou sigo directamente para sul, com destino à baía de Kotor, já no mar Adriático, ou faço um desvio de 80km para atravessar o maciço do Durmitor e depois pedalar finalmente até Kotor através do Canyon que limita o parque Durmitor, a sul. Quando chego ao cruzamento tenho de optar: em frente ou pela direita. Meto pela direita, em direcção às montanhas do parque, mas apenas para voltar a desistir da ideia umas dezenas de metros mais tarde. O joelho direito anda a doer-me já há alguns dias e nesta estrada vou ter de subir até aos 1900m. Não quero arriscar, tenho ainda muitos dias pela frente! Sigo em frente, através de uma descida que dura quase uma hora. Na vila onde termina essa descida estaciono a bicicleta à sombra de uma árvore para almoçar e observo os polícias que fazem uma operação stop a escassos metros dali. Estou tranquilamente sentado na relva quando oiço um estrondo enorme. Não acredito! A bicicleta rebola pela encosta, com três mortais, soltando toda a carga que tenho dentro dos alforges. Largo as bolachas que tinha na mão e corro para evitar que a minha companheira de viagem acabe na estrada, que fica uns metros mais abaixo, esmagada debaixo de um carro. Quando a consigo finalmente apanhar tento logo fazer uma verificação rápida… parece que não foi nada de grave. Depois de endireitar o volante, volto a colocá-la no sítio onde a tinha deixado inicialmente. A seguir recolho os alforges que saltaram do suporte, bem como peças de roupa, latas de atum, fruta, etc.! Que susto! Encontro-me na cota mais baixa que o mapa assinala por isso já sei que daqui para a frente só há um opção no que a inclinações de estrada diz respeito: é sempre a subir. A primeira subida faz-se através de curvas em serpente que escalam a encosta íngreme. Quando chego ao topo a estrada torna a descer, mas só para voltar a subir novamente uns quilómetros mais à frente. Perscruto o horizonte a tentar vislumbrar por onde seguirá o trajecto mas não consigo descobrir. Estou num vale, ao longo do qual vão aparecendo algumas aldeias e a partir da última a estrada começa novamente aos “ss”. Está calor e eu cansado. No mapa está assinalado um túnel, a alguns quilómetros daqui, não consigo perceber quantos, mas passados 10 minutos descubro que, afinal, o túnel é já aqui e que depois de o atravessar é sempre a descer! São cerca de 20 quilómetros sempre a descer a uma velocidade entre os 50 e os 60 km/h. Sorrio, sorrio muito (não demasiado, para não engolir nenhuma mosca) e largo os travões naquela que irá ser a descida mais rápida de toda a viagem. Não conheço nenhuma sensação que se compare com esta… a brisa que atravessa o corpo, a luz do final de tarde, as montanhas e a liberdade! Quando finalmente atinjo o final da descida sou envolto por um bafo escaldante! 




                                      

A cerca de 20 km do ponto onde me encontro existem dois lagos,nas imediações de Niksic, a segunda maior cidade do país, que ao longe parece um amontoado de prédios horrível. Decido ir até um deles e procurar um sítio para passar a noite. Quando já estou perto do primeiro lago começo a ver jovens a vir na direcção contrária, com calções de banho e toalhas aos ombros. Paro para perguntar se existem algum camping nas redondezas mas as duas raparigas que estão à minha frente ficam envergonhadas e respondem com gestos que não me podem ajudar. Reparo agora que estou sem água e que vou precisar dela para cozinhar o jantar. Um quilómetro mais à frente estão 5 homens completamente bêbados sentados perto de um contentor decrépito. “Deve ser um bar e deve ter água” – penso. Errado! O interior está cheio de lixo e cervejas vazias. Um dos homens mete conversa comigo mas está tão bêbado que nem se aguenta de pé, quanto mais dizer um par de palavras correctamente. Passados dois minutos vejo uma oficina de mecânica onde dois jovens lavam um carro sob o olhar atento de um homem que presumo ser o patrão. Viro à esquerda, entro no pátio e pergunto se me podem encher os bidões que trago na bicicleta. Um dos jovens fala um inglês razoável e aproveito para saber se no lago mais próximo há algum sítio seguro para montar a tenda. O rapaz vai traduzindo a conversa para sérvio (a língua oficial do país) e a certa altura o patrão mete a mão no ar e começa a indicar o relvado que separa a oficina residência da estrada “se queres acampar, ficas aqui na relva”! Óptimo! A troca inicial de palavras evolui rapidamente para qual será o meu trajecto a partir daqui. Digo-lhes que amanhã pretendo chegar a Kotor, uma baía interior, a cerca de 2 km da costa do Adriático, rodeada por montanhas com 1000 metros de altitude. Existem dois acessos à baía a partir do local onde me encontro, mas o meu objectivo é utilizar aquele que, a avaliar pelo mapa, deve oferecer a vista mais brutal da baía: a estrada que desce abruptamente aos “ss” a partir do topo da montanha, a 1000 metros, até chegar ao nível da água da baía, 0 metros. Tenho mais outro desejo para o dia de amanhã: quero chegar à montanha que rodeia a baía a tempo de ver o pôr-do-sol e o recorte da costa do Adriático. Não conto nada disto aos meus anfitriões, espero que eles me indiquem o melhor caminho. Dizem que pela estrada que estou a pensar seguir que não vale a pena, é um sobe e desce constante, é mais longe e a estrada é pior, que o melhor é seguir pela estrada principal e entrar na baía pela parte norte. Aceno que sim, mas penso para mim que decidirei o que fazer amanhã, quando acordar. Mal acabo de montar a tenda a mulher do dono da oficina põe a mesa que se encontra à entrada de casa com café e bolo e chama-me para comer. Pela segunda vez em poucos dias, sou recebido como um convidado em casa de quem me conhece apenas há um par de minutos...




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