Uma das vantagens dos hostels é
poder deixar toda a bagagem na recepção, durante o dia da chegada ou partida,
aproveitando para visitar o que apetecer sem peso às costas. Eu não sou
diferente e faço o mesmo. Tenho uma prioridade para esta manhã: encontrar um
cartão para empacotar a bicicleta, logo mais à noite. Ontem procurei algumas
lojas de bicicletas na net e na primeira à qual me dirijo sou bem recebido e
respondem-me que sim, que têm vários cartões que me podem dar de graça (Sim! Há
lojas a cobrar por isto). Pergunto se há inconveniente de passar por lá
novamente ao final da tarde, porque agora não tenho onde deixar o cartão. “No
problem” – responde-me um dos funcionários. Descansado com o facto de já ter
esta tarefa arrumada e com o dia todo pela frente monto-me em cima da bike de
novo (a melhor forma que conheço de conhecer uma cidade), olho para o mapa que
me deram no hostel e vou até à “atracção” que fica mais próxima da loja: o
estádio do Hajduk Split. Gosto do futebol enquanto desporto apaixonante, muito
por causa da imprevisibilidade (cada vez mais esbatida) ao qual está associado,
ou seja, o desporto pelo desporto, sem manhas e jogos de bastidores, mas isso é
uma realidade cada vez mais distante. Fiquei impressionado pela quantidade de edifícios
pintados com o símbolo do clube ao longo dos 250 quilómetros de estrada que
separam a cidade da fronteira com Montenegro, por isso quero ir tentar perceber
o porquê desta loucura. O estádio tem uma localização brutal, numa encosta
suave com vista para o mar e à primeira vista parece uma concha com abertura
para o céu. Aproximo-me para ver se a equipa principal está a treinar ou para
tentar ver como é o estádio por dentro. Estou com azar, a equipa está na para
jogar a 2ª mão de uma das pré-eliminatórias da Liga Europa. Não desisto e
pergunto numa lavagem de automóveis situada debaixo das bancadas se há alguma
forma de conseguir ver o estádio por dentro. Indicam-me a entrada principal,
onde toda a administração do clube está situada. À entrada, um funcionário
quase a dormir numa salinha pequena interpela-me. Faço-me despercebido e
pergunto se há possibilidade de tirar uma foto ao estádio por dentro. “Claro
que sim! São 3€” – diz o homem enquanto tira um bilhete para mim. Normalmente quando
estou em grandes cidades, costumo escolher criteriosamente um museu para
visitar. Mas nesta viagem estou um bocado escaldado. Em Sófia paguei cerca de
10€ para visitar o museu de Arqueologia, que tinha peças excepcionais, mas que
no fim não era mais do que um depósito, sem qualquer explicação da história do
país. Depois em Skopje o museu de história era gratuito, mas estava fechado
porque estavam a preparar uma exposição que iriam inaugurar dentro de dois
dias. Com as expectativas tão baixas nestas coisas dos museus não me custa nada
despender de 3€ para visitar um estádio. Uma rapariga simpática faz-me uma
visita guiada rápida pela sala dos troféus, das personalidades e, por fim, pelo
interior do estádio. No meio de alguns factos e curiosidades salta-me à vista
um pormenor curioso… os camarotes ficam “pendurados” na parte inferior da
cobertura do estádio e para se chegar a eles tem de se atravessar um passadiço
de metal a vários metros de altura dos assentos dos adeptos, situado mais
abaixo.




O resto do dia é passado a
vaguear pelas ruas do centro histórico, à procura de pormenores interessantes
por entre a massa de turistas e à espera do final da tarde para ir buscar a
caixa de cartão à loja de bicicletas. Quando chega finalmente esse momento os
empregados (que já não são os que lá se encontravam de manhã) dizem que já
colocaram todas a caixas no lixo. “Então mas tinham-me dito que guardavam uma
para mim!”. Provavelmente devem-se ter esquecido. Ao ver a minha cara de pânico
apontam-me o caixote do outro lado da rua – “Podes tentar ver se ainda ali
estão”, dizem-me. Sinto um alívio enorme quando vejo que as caixas se encontram
ainda ao lado do depósito do lixo. Agarro numa, coloco-a em cima da bicicleta e
vou até ao hostel buscar o resto da bagagem. Agora é rezar para que o condutor
não embirre com todo este volume de bagagem. Já na estação de autocarros, com
centenas de pessoas a vaguearem de um lado para o outro, desmonto os pedais,
tiro a roda da frente, viro o volante e coloco a bike dentro da caixa
juntamente com mais algumas coisas da bagagem. Agora é esperar pelas 21:30. Entretanto
vou delineando uma estratégia para abordar o condutor sem que este comece aos
gritos comigo, caso esteja maldisposto. Penso que o autocarro vai chegar à
plataforma algum tempo antes da partida mas engano-me… chega com 45 minutos de
atraso, quase cheio, e com um condutor e o ajudante a espumarem de raiva pelo
atraso. “Tou lixado!”. Um rapaz que por ali anda oferece ajuda para me ajudar
com as bagagens e com o cartão enorme. Ali numa fracção de segundos conta-me
que está desempregado e pergunta-se com tantos milhões de turistas no país como
é possível as pessoas continuarem a tentar sobreviver. “Government and corruption”, diz-me. Tento
descansá-lo com um “It’s the same in my country, man”. Deve querer umas
moedas em troca da ajuda. Entretanto gera-se uma confusão enorme, entre pessoas
a sair do autocarro e a recolher bagagem e outras a quererem colocar a bagagem
e embarcarem. Com a maior rapidez que consigo enfio
tudo na bagageira com a ajuda do rapaz e despedimo-nos ambos com um “Good luck”.
O olhar sincero e humilde do rapaz faz-me ter raiva de mim mesmo por ter
pensado que poderia querer dinheiro em troca da ajuda. Enfio-me dentro do
autocarro com a maior rapidez que consigo, mas o sentimento de conquista dura
apenas uns segundos. Um dos motoristas irrompe autocarro adentro a gritar para
que todos os que colocaram bagagem na parte de baixo saiam. Tento
desculpar-me dizendo que só segui as indicações que me deram. O homem não
quer saber nada disso e mete toda a bagagem, minha e dos restantes passageiros,
no chão. “Têm de pagar uma taxa por cada bagagem que transportarem no porão”. Meio em desespero digo que sim, desde que me deixem levar a bicicleta.
O motorista que está a cobrar o valor das bagagens pergunta-me o que tenho ali.
Digo que é uma bicicleta. Pede-me para abrir a caixa. Rapidamente rasgo um
pedaço do cartão para ele verificar. “Ok! No problem. You have to pay 7€”.
Quero lá saber dos 7€ e do facto de muito provavelmente irem para o bolso do
cobrador (pois não passam recibo), quero é ir neste autocarro. Pago, sento-me
finalmente e coloco uma música calma para me embalar neste hotel ambulante onde
vou hoje passar a noite.



