Não sou muito adepto do ar
condicionado, mas com o bafo que se faz sentir, mesmo à noite, um sono num
local fresco sabe-me a ginjas. O quarto tem acesso directo ao terraço do
hostel. Só preciso de meter um pé ao sol para perceber que com este calor só
irei sair daqui ao final da tarde para visitar a cidade. Deixo-me ficar pela
sombra do alpendre a actualizar o blogue, a ver a rota para os próximos dias, a
ler um pouco acerca da história da cidade e a fazer a “limpeza da casa” – lavar
a roupa e reorganizar a comida. Mostar, que faz parte da região da Herzegovina,
uma das duas que constitui a Bósnia e Herzegovina, tem hoje em dia cerca de 115
mil habitantes, repartidos entre uma maioria croata e muçulmana, sendo que
servos e jugoslavos completam a restante paleta demográfica desta cidade que é
actualmente um dos principais destinos turísticos do país. A guerra provocada
pela declaração da independência do país relativamente à Jugoslávia, fez com
que Mostar fosse o principal palco de um conflito armado sangrento durante
cerca de 3 anos, entre 1992 e 1995. De um lado os bósnios-croatas, do outro os
bósnios sérvios, pelo meio milhares de civis mortos. Na net bastam alguns
segundos de pesquisa para se observarem as cenas do costume…tiros, violência,
pessoas inocentes mortas e desalojadas. Lembro-me do meu país e da dor que
ainda persiste na maioria das famílias portuguesas por causa das consequências
da guerra colonial e tento imaginar que marcas pode uma guerra tão recente ter
deixado na vida das pessoas que passam ao meu lado na rua. A resposta não é
difícil… a contrastar com a alegria dos mais jovens, certos idosos parecem
carregar em si toda a brutalidade de um episódio tão recente. Alguns edifícios
são ainda o espelho dessa brutalidade…marcas de tiros e granadas em alguns
ainda habitados, sinais de bombas noutros completamente destruídos. No meio
disto tudo um fluxo turístico intenso. Penso nisto tudo enquanto observo o
“fluir” das pessoas pelas ruas, sentado em frente a uma das 6 mesquitas que
subsistem hoje em dia. A maior atracção é a zona antiga, paralela ao rio e a
Stari Most, a famosa ponte em arco, construída em meados do séc. XVI, destruída
no dia 9 de Novembro de 1993 pelos bombardeamentos e reerguida com o alto
patrocínio da UNESCO em 2004. Depois disso veio a classificação como património
mundial. No meio desta massa de gente, tento imaginar como seria o movimento
aqui à algumas dezenas de anos, por entre bancas, recantos e locais de oração.
Observo a última luz do dia na margem do rio Neretva. Podia ser um cenário
idílico não fosse o cheiro nauseabundo a esgoto que vem do rio, mas isso não
parece suficiente para demover as pessoas que ali se encontram a tomar um banho
refrescante. Eu prefiro o do chuveiro do hostel… Depois de um hamburger ao
jantar, aproveito para fazer as compras para os próximos dois dias no supermercado
da rua principal.
É quando venho com os sacos pendurados nas mãos a trautear
uma música, que alguém me chama. Viro-me… não acredito!!! O rapaz que conheci
em Skopje e voltei a encontrar semanas mais tarde no Durmitor em Montenegro! O
cenário repete-se: abraçamo-nos e damos gritos por tamanha coincidência.
Falamos dos trajectos que aqui nos trouxe depois do último encontro, ele
apresenta-me os amigos que o acompanham para uma investida nocturna aos bares
da cidade e rimos durante mais uns minutos. Desta vez não me esqueço de tirar uma foto, mas reparo que a máquina não tem bateria.. Fica para a próxima! Agora já não nos despedimos com
“até um dia” mas com um “até já”! Vou ainda a pensar nestas coincidências
quando, ao entrar no quarto do hostel dou de caras com outra das pessoas que
partilha o quarto - ao todos somos 6: um casal de australianos que anda
a dar uma volta pela Europa e veio parar a Mostar depois de ter comprado o
carro mais barato que viu quando passou por Londres, 3 italianos de mochila às
costas a percorrer a Costa do Adriático e um português de bicicleta… É com um
desses italianos que me cruzo. Depois de saber a minha nacionalidade diz-me que
o seu escritor favorito é o Saramago e o livro de referência o “Memorial do
Convento”. Digo-lhe que moro a 40 minutos do convento de Mafra e que é
obrigatório ele lá ir quando visitar Portugal, acompanhado do livro claro. Diz-me
também que se cruzou há uns dias atrás com dois ciclistas polacos meio
avariados do capacete, que pedalavam de tronco nu e já tinham feito não sei
quantos quilómetros… “Espera lá!” – penso eu. “São uns com alforges de tecido,
um deles tem óculos, fisionomia oriental e têm que estar na Polónia daqui a
pouco mais de uma semana?” - pergunto. “Esses mesmo! Também os conheces?”… não
acredito! Num espaço de meia hora tanta coincidência junta! “Sim, cruzei-me com
eles perto da fronteira de Montenegro com a Croácia, mas acabámos por não nos
voltar a ver”. Deito-me a pensar nisto… Quantas variáveis diferentes são
necessárias para que o destino me traga aqui e agora, a encontrar pessoas com
as quais já me cruzei antes e, pior ainda, a cruzar-me com outras que por sua
vez também conheceram as mesmas pessoas que eu. Basta sair de casa para
perceber quão pequeno o mundo é.
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