O condutor do autocarro é meio
avariado do capacete, por isso a viagem é passada entre guinadas ora para a
esquerda, ora para a direita, travagens bruscas e uma velocidade alucinante
pelas estradas do litoral croata. Mais uma noite normal, portanto. A meio da
noite, numa cidade que não consigo identificar, uma paragem de 15 minutos. Vou
à única loja que ali se encontra aberta e compro um chocolate, enquanto vou
conversando com o proprietário e dando umas gargalhadas ocasionais. Quando me
volto para certificar se o autocarro ainda está no mesmo sítio vejo que este já
se encontra a deixar o estacionamento. Corro o mais rápido que consigo e dou um
salto lá para dentro. Umas horas depois começa a amanhecer. Paramos nesse
preciso momento, na fronteira que fica situada numa zona de montanha. O cenário
de todas as outras fronteiras do mundo repete-se: um polícia entra dentro do
autocarro e confirma o passaporte de todos os passageiros. Há uma passageira
que parece ter alguma irregularidade no dela, por isso são mais 20 minutos em
que ficamos parados. Não demora muito tempo até atingirmos finalmente o destino
- Trieste. São 7 da manhã, não se vê praticamente ninguém na rua. Logo ao lado
fica a estação de comboios, por isso não deve ser difícil conseguir chegar a
Veneza. Abro a caixa de cartão e quando estou a acabar de montar a bicicleta e
respectivas bagagens chega outro autocarro. Qual não é o meu espanto ao ver que
também traz dois ciclistas. O Cyril e a Cécile, franceses de Paris, estão, tal
como eu, na recta final da sua viagem. Começaram em Praga e pedalaram até
atingirem o ponto mais próximo de Veneza, o local onde também eles vão apanhar
o avião. Com todas estas coincidências depressa percebemos que vamos ser
companheiros nos próximos dois dias. Dirigimo-nos ao comboio, que parte dentro
de 40 minutos em direcção a Mestre, a cidade mais próxima de Veneza e a partir
daí vamos tentar arranjar um parque de campismo onde ficar. Já na estação compramos qualquer coisa para comer. A única coisa que eu vislumbro no meio de rebuçados e gomas é um coelho de chocolate com um guizo ao pescoço. Menos um coelho na vitrina. Apesar da noite mal dormida, esta companhia
inesperada é um óptimo tónico para me manter bem acordado. Cheios de histórias
e peripécias, vamos trocando também pontos de vista, objectivos e conselhos.
Eles estão a planear uma volta ao mundo no próximo ano, já têm um site, um
tema, falta só vencerem o medo de deixar tudo para trás e partirem. Têm uma
ideia engraçada: pedalar com o objectivo de conhecerem o melhor que puderem a
comida de cada pais por onde passarem. O site deles na internet é exemplo
disso. Parece um site de culinária onde cada ingrediente serve de ponto de
partida. Curiosamente uma das receitas em que andam a investir mais tempo é…
feijoada!
Quando o “pica” nos aborda para nos pedir os bilhetes pergunta-me
porque não tenho o bilhete para a bicicleta. “Porque não me deram bilhete para
a bicicleta em Trieste”. “Não faz mal, eu posso emitir-lhe aqui esse bilhete,
mas fica mais caro do que se tivesse sido na estação”. “Que remédio”, prenso eu
a sorrir. À medida que nos vamos aproximando do destino são cada vez mais os
passageiros que sobem para o comboio, a maioria deles turistas, provavelmente
com o objectivo de irem visitar Veneza. Quando o comboio pára finalmente em
Mestre fazemos trabalho de equipa para retirar rapidamente bicicletas e
bagagens. Depois de termos tudo montado novamente só falta saber onde podemos
encontrar um parque de campismo. No posto de turismo da estação não nos sabem
dar essa informação. Decidimos começar a pedalar, perguntaremos pelo caminho. Dois
minutos depois paramos em frente a uma papelaria, eu entro e pergunto pelo
camping. Depois de me explicarem qual a direcção a seguir, atravessamos a
cidade fluindo pelo meio do trânsito. O camping é um entre os muitos que se
situam nesta área e fica perto da Auto-estrada que conduz a Veneza. O preço reflecte
essa proximidade: 20€/noite por pessoa. É mais caro que em qualquer hostel onde
tenha ficado durante estas últimas 7 semanas, mas não há outra alternativa. Instalamos
as tendas lado a lado e depois de um almoço rápido decidimos ir até à Decathlon
para arranjar novas caixas de cartão para empacotar as bikes para o avião. O
Cyril e a Cécile têm mais urgência que eu, pois têm voo já depois de amanhã, eu
só daqui a 3 dias. A única forma de lá chegar é de autocarro e é isso que
fazemos. Planearam bem esta parte da viagem e antes de saírem de França já
tinham enviado um mail para esta loja para terem um cartão reservado mais ou
menos para esta data. O cartão está lá, para mim é que não há. "Só segunda de
manhã” – diz-me o empregado. É arriscado mas não tenho outra alternativa, só
posso esperar que corra tudo bem porque da parte da tarde tenho o voo às 17. A
noite chega rapidamente e rapidamente também eu me enfio no saco-cama para
recuperar o que não consegui dormir ontem no autocarro.
Os franceses vão aproveitar o dia
de hoje para visitarem Veneza. Já lá estiveram também ontem à noite, mas a
enchente de turistas fê-los acordarem hoje às seis e meia da manhã para
tentarem ver a cidade com calma. Eu Agradeço o convite para me juntar a eles
mas prefiro descansar e então amanhã de manhã fazer o mesmo – estar lá logo de
manhã cedo para evitar as enchentes (ainda por cima é fim-de-semana). Depois do
pequeno-almoço ainda aproveito para ver as moradas de algumas lojas de bicicletas
na zona, caso na Segunda-feira a Decathlon não tenha a desejada caixa de
cartão. Durante o resto do dia aproveito para ir ao supermercado comprar alguma
comida e durante a tarde deambulo pelas imediações do camping e das aldeias
mais próximas, pedalando ao sabor da música que vai passando no leitor. Há uma
tranquilidade aconchegante, espaços público muito bem cuidados, ciclovias por
todo o lado e canais onde se vêm dezenas de barcos. Encontro por acaso uma
ecopista que percorre a margem norte da lagoa de Veneza, ecopista que por sua
vez conduz ao parque de lazer da cidade de Mestre. A vista é lindíssima, com
campos de cultivo áreas de sapal e sempre com a cidade dos canais em pano de
fundo. Ao final da tarde encontro-me novamente com os meus amigos franceses.
Adoraram a visita a Veneza, mas só até às 10 da manhã, hora a que começaram a
chegar hordas de turistas. Aproveitamos os últimos raios de sol para fazer um
teste importante… como transportar as caixas de cartão do camping até ao
aeroporto. A hipótese do autocarro está excluída, nenhum motorista irá deixar
entrar um volume destes no seu veículo. Pensamos noutra estratégia: dobrar o
cartão e colocá-lo amarrado à mochila. Depois de duas ou três tentativas o
Cyril consegue finalmente pedalar com esta espécie de foguete montado na sua
mochila. Rimo-nos com esta situação e passamos o final o início da noite na
conversa até nos despedirmos com um “Até um dia”, porque amanhã já não nos
iremos encontrar porque eles tê, de sair do camping por volta das 7 da manhã.
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