sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Até Split

Tenho 6 dias para chegar a Veneza, de onde vou apanhar o avião para Lisboa no próximo dia 12. Vai ser impossível lá chegar de bicicleta, por isso vou procurar por uma ligação de autocarro ou comboio até Itália. O melhor local para o fazer é Split e fica a cerca de dois dias de pedalada daqui. Quero lá chegar cedo depois de amanhã para me instalar num hostel e procurar opções de transporte para Itália no dia seguinte. À falta de melhor tenho sempre a opção de tentar apanhar uma boleia de alguém com espaço para me transportar a mim e à bicicleta. Assim hoje vou passar o dia em cima da bicicleta, para tentar chegar o mais próximo de Split que conseguir. As praias pelas quais vou passando são uma tentação mas prefiro deixar para o final do dia, depois de encontrar um local onde ficar, para um possível mergulho. Uns minutos depois de deixar o parque de campismo, viro para uma baía que se assemelha a um anfiteatro e alberga 2 aldeias. Uma delas parece-me, ao longe, ser merecedora de uma visita pois possuí um casario de calcário que trepa a encosta. A zona é realmente bonita, mas as inúmeras pensões e hotéis, mais os milhares de pessoas que se encontram a desfrutar do sol ao longo da praia rapidamente me empurram para voltar à estrada principal. Mas até lá ainda tenho de empurrar a bicicleta, literalmente, porque a inclinação é tanta que é maior a força da gravidade do que das minhas pernas. Este é o trecho de costa mais bonito de todos os que atravessei durante esta viagem e esta beleza só termina (para mim) quando chego à principal cidade da região – Makarska. A partir daqui a costa será diferente, mais humanizada e menos selvagem. Em Makarska vou pela primeira vez nesta viagem aos correios enviar dois postais.  A tarde irá ser difícil, com uma subida não muito inclinada mas extensa. No entanto a vista compensa tudo! Pelo meio ainda me cruzo com outro ciclista croata que está a fazer a costa de norte para sul e me confessa que tem um sonho: o de ir um dia até Portugal de bicicleta. Já ao final da tarde, após encontrar um pequeno parque de campismo gerido por um casal de idosos muito simpático, ainda aproveito para dar um mergulho, talvez pela última vez na viagem, nas águas quentes e transparentes do Adriático. 






A partir do parque de campismo, Split fica a cerca de 40 km de distância por uma estrada praticamente plana. Aproveito por isso as primeiras horas do dia para me fazer ao caminho, não sem antes dar conta que uma das tendas que está no camping pertence a um casal que anda a viajar numa moto clássica com um atrelado original. À medida que me vou aproximado da segunda maior cidade croata, os aglomerados de casas e pessoas intensificam-se, o trânsito é caótico e as placas de alojamento surgem casa sim, casa sim. Esta é a maior recordação que irei levar da Croácia: a palavra “sobe” (quarto) e um país que parece estar para aluguer, tal é a quantidade com oferta de alojamento à beira da estrada. Já perto de Split passam por mim duas ciclistas, também a viajar. Encontro-as mais à frente paradas a comerem qualquer coisa. Para também para uma última barra de cereais antes de entrar na cidade. São americanas e estão também na recta final da sua viagem… amanhã apanharão o avião de regresso ao outro lado do atlântico. Seguimos juntos ainda alguns quilómetros, mas a pedalada delas é muito superior à minha e na via rápida à entrada de Split acabam por desaparecer no horizonte. Estou agora numa via de acesso com duas faixas de cada lado, sem berma para a bicicleta e com um trânsito infernal. Fico mais descansado quando, por fim, vejo uma placa a indicar “Center”. Tenho de procurar uma sombra, o sol está a escaldar, não há uma ponta de vento e o check in no hostel onde vou ficar hoje só pode ser feito mais ao final da tarde. Umas palmeiras na baixa da cidade são o local mais procurado pelos turistas para se esconderem deste calor e eu também não sou diferente, assim que a sombra de uma delas fica livre, encosto a bicicleta a um banco e sento-me na relva a observar o movimento de pessoas e dos barcos que chegam e partem do cais que fica mesmo em frente. A certa altura oiço uma língua que me é familiar: 3 portugueses conversam animadamente enquanto passeiam pelo local. Ainda penso em meter conversa, mas a velocidade deles é maior a andar é maior que a minha a levantar-me e acabo por ficar sentado. Daí a uma hora vislumbro-os novamente a virem na minha direcção e interpelo-os. São do Porto (mesmo que me quisessem enganar era impossível, o sotaque não deixa) e estão no início de uma viagem de cerca de 15 dias pelos Balcãs. Pensam em alugar um carro e aproveito que tenho o portátil aberto á procura de uma rede de internet para lhes dizer que, se gostam de montanhas, têm de ir a Montenegro, ao Durmitor. Ficam impressionados com a beleza que as fotos mostram e dizem que talvez dêem lá um salto. 




Está na hora de fazer o check in no hostel, que fica mesmo no centro histórico de Split. Foi o mais barato que encontrei e mesmo assim é um balúrdio para o meu orçamento. Pelas informações da internet consegui apurar que é um espaço novo que foi reabilitado, um “design hostel” – o que quer que isso signifique. Habituado durante este último mês e meio a fazer coisas tão rudimentares como preparar refeições, montar e desmontar tenda e alforges, um quarto com código para entrar e para se ter acesso ao cacifo faz-me sentir como se estivesse dentro de uma nave. As camas do dormitório são encaixadas dentro da parede dão um aspecto ainda mais original ao local. Se calhar a ideia da nave até nem era assim tão descabida. Aproveito mais uma vez a luz do final de tarde para deambular pela zona histórica, aquela que faz mesmo valer a pena uma visita a Split, principalmente pelos restos que o palácio do imperador romano Dioclesiano mandou erigir em 293, quando começou a ponderar a sua retirada da política. A localização não foi escolhida ao acaso, já que não era muito longe daqui que se situava a cidade onde tinha nascido. O palácio propriamente dito era constituído por uma muralha de forma quadrada, dentro da qual se situavam os edifícios importantes, tais como o mausoléu, as termas e os edifícios residenciais. A particularidade do local está em como as sucessivas ocupações conseguiram sempre manter vestígios das suas antecedentes e esta zona da cidade é hoje um salto na história, literalmente, de edifico para edifico. Sentado na escadaria que dá para a praça onde hoje se situa a basílica que substituiu posteriormente o mausoléu, penso na importância que a luz está a ter nesta viagem, pois todos os momentos mais marcantes têm sido vividos em torno de alturas do dia em que a luz ganha contornos mágicos… Antes de regressar ao hostel ainda vou ter de ir ao terminal dos autocarros, que fica mesmo em frente à saída dos ferries e na traseira da linha de comboio. Pergunto por bilhetes para Itália, para Veneza… “Para Veneza não temos autocarros! Só para Trieste”. “Pode ser”, digo eu! Trieste fica logo após a fronteira croata, a cerca de 160 km de Veneza. Tentarei arranjar outro transporte até à cidade dos canais a partir daí. Entretanto lembro-me de um “pormenor” importante… “Então e há inconveniente de transportar comigo uma bicicleta”. A senhora faz o seu ar mais desprezível que consegue e diz “Não podemos assumir essa responsabilidade. Vai ter que falar com o condutor na altura do embarque!”. Pondero por uns segundos. São quase 40€ a viagem de autocarro, se me é negada a entrada perco esse dinheiro e a hipótese de chegar a Itália num transporte público directamente daqui. Arrisco. “Um bilhete por favor”, digo finalmente. O autocarro parte às 21:30 do dia seguinte e chega a Trieste no dia seguinte pela manhã. Vou ter de tentar arranjar uma caixa de cartão para colocar a bicicleta e rezar para que o motorista esteja bem-disposto. 




Sem comentários:

Enviar um comentário