quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

De volta à Croácia

Depois de uma noite bem dormida e de um pequeno-almoço reforçado estou pronto para “atacar” novamente a estrada em cima da bicicleta. Depois dos dias de descanso acontece quase sempre o mesmo: habituados durante alguns dias ao relaxamento, os músculos contrariam por vezes a vontade enorme de voltar a pedalar. Mas como o que nos comanda é a nossa cabeça e os nossos sonhos, não ligo à preguiça dos músculos e enfrento a primeira subida do dia logo à saída de Mostar que me fará subir um par de centenas de metros em poucos quilómetros. A paisagem é agreste: vegetação rasteira, a maioria já seca, e calcário, sempre, por todo o lado. O bafo quente que se fazia na cidade vai desaparecendo à medida que vou subindo, montanha acima. Fico espantado com tão pouco movimento na estrada, de carros e pessoas. Já sei… hoje é Domingo! Preciosismos para um viajante… Começo a pensar que se calhar não é muito bom dia para ir a Kravice e às cascatas azul-turquesa que tornam a pequena aldeia tão famosa. Mas depois também penso que não há problema, passo por lá na mesma porque me fica a caminho e o máximo que me pode acontecer é gostar e acabar por passar por lá a noite. Pelo caminho começo a ver placas com a imagem da Virgem Maria, de ofertas de alojamento, restaurantes, etc. Todas elas têm um denominador comum: Medugorje. Quando chego ao cruzamento que assinala a vila a 3 km de distância, não hesito e viro à esquerda para investigar do que se trata. Ao chegar à entrada da vila começo rapidamente a aperceber-me onde estou… Medugorje é o local onde estão a ocorrer as mais recentes aparições da Virgem Maria. Desde 1991, com uma frequência diária durante alguns meses, passando depois a mensal e anual nos tempos que se seguiram. A igreja católica encontra-se ainda a estudar estas aparições, no sentido de verificar a sua veracidade, mas isso não afasta os crentes e a vila está transformada num bazar gigante, com lojas de souvenirs espalhadas por todo o lado, onde circulam milhares de pessoas que desçam de autocarros que parecem não acabar. Procuro informações no posto de turismo próximo do santuário acerca do caminho mais curto até às cascatas, que ficam a pouco mais de 15 km daqui, mas está fechado para almoço. Num pequeno jardim encontro uma sombra e almoço enquanto observo uma violinista que deve estar a rodar um filme, tal é o aparato de câmaras e dispositivos de som à sua volta. Não me apetece ficar aqui mais uma hora à espera do funcionário do turismo e meto-me de novo na bicicleta em direcção à estrada principal. Está um calor intenso e vou ter de parar no próximo local com água. Calha ser uma estação de serviço. Calha também ter uma rede de internet desbloqueada e aproveito para ver mais algumas hipóteses para o final da tarde, caso não me interesse muito pelas cascatas, que ficam a 15 minutos daqui.




O local onde se situam é um pequeno vale situado num planalto e ninguém de perfeito juízo diz que ali, entre um manto de árvores e arbustos que resistem como podem às temperaturas, possa estar um sítio tão belo, mas também tão barulhento e cheio de pessoas. Imagino isto no Outono, sem ninguém, com a paisagem com tons laranja… só imagino porque agora mesmo estão ali centenas de pessoas que se distribuem como podem pelas margens, pela água e por qualquer canto onde exista uma sombra. Volto a pegar na bicicleta e desapareço em direcção à fronteira com a Croácia, que fica a cerca de 20 km do ponto onde me encontro. Pelo caminho atravesso vilas e aldeias embaladas na pacatez de um final de Domingo, vejo cortejos de casamentos e algumas pessoas que aproveitam as últimas horas de um sol maravilhoso. A Fronteira é a primeira que atravesso em que tenho de segurar a bicicleta entre as pernas enquanto mostro o passaporte ao agente sentado no interior da cabine, pois fica numa subida íngreme. Vou fazer um esforço para tentar chegar à costa ainda hoje, mas rapidamente percebo que vai ser impossível. Daqui a uma hora vai estar de noite e a estrada é uma montanha russa de altos e baixos constantes. Quando já tenho alguns km em solo Croata chego a um planalto anichado entre montanhas que contrasta com tudo o resto: terrenos de cultivo e árvores de fruto distribuídos geometricamente contrastam com as elevações circundantes agrestes e selvagens. Há um passo de montanha a pouca distância daqui, já o consigo vislumbrar ao longe. Estou cansado mas cerro os dentes, repito para mim mesmo palavras de motivação que me ajudam a combater o cansaço e a passar aquele ponto, porque sei que depois será sempre a descer. Na primeira aldeia dessa descida paro ao lado de um senhor já com alguma idade que traz legumes acabados de apanhar para perguntar por um sítio para montar a tenda. Diz-me que parques de campismo ali não existem (raios, no mapa que tenho estava um assinalado mesmo aqui!), mas rapidamente se monta na sua bicicleta e pede para que o siga. Pelo caminho as pessoas da aldeia vão saudando o senhor à sua passagem e imagino que perguntem de onde me conhece e onde me leva… eu também não sei. Cinco minutos depois estamos à beira de um lago rodeado de juncos e de uma pequena zona relvada. O homem faz um movimento que abarca toda a zona da relva e diz-me por gestos que posso ali ficar descansado. Há um silêncio ensurdecedor, uma calma inexplicável. Algumas casas debruçam-se sobre o lago e ao longe crianças deliciam-se com o último banho do dia.




O dia volta a começar cedo e ao longe consigo já vislumbrar o mar. Encosto no primeiro local que vejo para me abastecer com água. Tenho azar, é um restaurante de beira de estrada e leva-me quase 2€ por uma garrafa de água. Digo para mim mesmo que vou deixar de lado os “politicamente correctos” e que na próxima situação do género vou fazer o mesmo que tenho feito noutros locais: ir directamente à casa de banho para encher os bidões da bicicleta com água da torneira. Está um dia brutal, com uma luz lindíssima e uma temperatura convidativa a mergulhos na água que fica logo do lado esquerdo da estrada. Passada cerca uma hora em cima da bicicleta, a estrada vai serpenteando pela base das montanhas que terminam abruptamente nas águas cristalinas do Adriático. Depois de uma curva à esquerda vejo um carro parado e apercebo-me de uma pequena praia escondida entre os pinheiros. Encosto a bicicleta e vou investigar. Nem acredito! Uma pequena praia de seixos que parece quase desaparecer à maré cheia, a julgar pela marcas deixadas pela água, rodeada de pinheiros que se dobram por cima da água e conferem ao local um aspecto de esplanada natural, encontra-se praticamente deserta. Volto ao local onde deixei a bicicleta, e desço com ela pelo trilho que conduz à praia, amarro-a a um pinheiro, tiro comida, uma toalha e uns calções de banho dos alforges e desço até perto da água. Para quem passa de carro, umas dezenas de metros mais acima, este é um local que passa completamente despercebido, talvez por isso só se encontrem 5 pessoas neste espaço. São 9h30 e a julgar pela cara de quem está a tentar tomar o primeiro banho da manhã, a temperatura não deve ser muito convidativa. “Mas não era  suposto a água da costa croata ser quente”? – penso.  Faço como vejo fazer e abordo a entrada no mar com cuidado, mas só para descobrir o quão ridículo estou a ser. A temperatura da água está a uma temperatura entre 21 e os 23 graus. Esta gente deve estar habituada a água ainda mais quente. Eu não, que nasci no oeste português, habituado ao gelo das temperaturas provocadas pelas nortadas de verão. Para mim isto está sopa! Sorrio com esta situação enquanto mergulho com os olhos abertos para sentir toda a beleza do mar que me envolve. Deixo-me ficar nesta rotina banho-toalha-banho-toalha até às 4 da tarde, altura em volto a pegar na bicicleta para fazer alguns km até ao parque de campismo onde passarei a noite. 





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