terça-feira, 2 de julho de 2013

Nas montanhas de Rila - 1º dia

Às 7h30 estou de pé para ir às compras antes de apanhar o autocarro para o mosteiro de Rila, às 10:20. Como a estação de onde este parte fica numa das saídas da cidade, ainda tenho que apanhar o eléctrico até lá. Durante a viagem, que dura cerca de 20 minutos, vejo edifícios em ruinas, prédios que não consigo vislumbrar se estão ou não habitados, cavalos e carroças que fluem no meio do trânsito. A estação é um pequeno terreiro esburacado, onde algumas pessoas esperam os miniautocarros (com capacidade para 20 passageiros) que fazem a maioria das ligações rodoviárias na Bulgária. O meu plano para os próximos 3 dias é o seguinte: visitar o mosteiro e a seguir entrar nos trilhos que compõem o parque natural do mosteiro de Rila, caminhando até à Ribni Ezera, o chalet de montanha mais próximo, onde vou passar a noite. No dia seguinte caminhar até à Makedonia Ezera, através de uma crista de montanha que, pelo que sei, oferece vistas de cortar a respiração. No 3º dia, voltar ao mosteiro de Rila pela vertente Sul da montanha e, finalmente, apanhar o autocarro de volta a Sofia.  Quando já estou dentro do autocarro vejo um jovem asiático a correr de um lado para o outro. Percebo que procura este autocarro. Depois de entrar, meio esbaforido, senta-se ao meu lado. Apresentamo-nos. Chama-se Jae, é Sul-coreano e está a dar uma volta ao mundo durante 9 meses. Já passou pela Tailândia, Índia, Turquia e Grécia. Durante a viagem vamos trocando impressões. Diz-me que toda a gente lhe fala muito bem de Portugal e que gostava de lá ir depois de voltar de África, o continente que vai visitar a seguir. O tempo está cinzento e de quando em vez, vemos na beira da estrada bancas com vendas ambulantes de artigos militares e fatos de pilotos de automóvel! As pessoas trabalham nos campos recorrendo a carroças de 4 rodas de madeira, arados puxados por cavalos e foices que fazem as vezes das máquinas de ceifar. Na Vila de Rila, a 20 Km do mosteiro, paramos 20 minutos… “Então agora que já só faltam 20 km é que paramos 20 minutos???” 


Continuamos… a estrada vai subindo pelo fundo de um vale encaixado coberto de árvores que apresentam vários tons de verde e quase não deixam passar a luz. Ao chegarmos, uma das pessoas que vinha autocarro pede se lhe posso tirar uma foto à entrada do mosteiro. “Claro que sim!” Chama-se Julia e é Ucraniana, de Odessa e está a viajar pela Bulgária. O Jae aproveita e pede à Julia que também lhe tire uma foto. Qual não é o meu espanto, quando o vejo a fazer poses de “dragonball”, com os braços esticados num sentido, depois com as mãos juntas como se estivesse a mandar bolas de fogo! Espectáculo!!! Damos uma volta pelo mosteiro ortodoxo, hoje conhecido como a Jerusalém búlgara. É o local mais visitado do país, mas mesmo assim, não andam muitos turistas por aqui. 

Temos fome, por isso procuramos um restaurante nas imediações. A Julia queixa-se da dificuldade de obter um visto para visitar um qualquer país da Europa e queixa-se também da inércia dos jovens na Ucrânia, mesmo os que têm possibilidade, não viajam muito, preferem passar o tempo no sofá a fazer coisas mais “interessantes,” como ver televisão! Digo-lhe que no meu país é mais ou menos parecido. Fica espantada! “Então não são vocês que são conhecidos por serem aventureiros por causa da época dos descobrimentos?” Respondo-lhe que não, que isso é um mito! O Jae diz que no país dele um cidadão normal só tem direito a 2 semanas de férias por ano, no máximo 3 - “To much work, the people get crazy”, finaliza.

São 14h30, eu estou a adorar a companhia, mas tenho de me despedir. O chalé de montanha fica a cerca de 5 horas de caminho e, apesar de só anoitecer às 22h eu não quero correr riscos porque sempre são 1200 metros de desnível. O trilho que inicia mesmo nas traseiras do mosteiro, segue pela estrada que acompanha o fundo do vale. As primeiras 2 horas de caminhada são monótonas, não se vê ninguém e andar pelo alcatrão é aborrecido. Só quando este acaba e se transforma num estradão de montanha é que a paisagem se deixa finalmente mostrar. Afinal continuo no mesmo vale, mas agora numa cota muito superior. Vertentes de rocha abruptas precipitam-se 400 metros desde o topo da montanha até ao local onde me encontro. Começa a chover… pelas minhas contas ainda faltam cerca de 2 horas de caminhada, por isso apresso o passo, até que chego ao final do estradão. A partir daqui, de onde já se vislumbra neve nos picos mais altos, o caminho até ao chalet só se faz por um trilho.

Cinco minutos depois vejo o que me parecem ser 2 pessoas, mais à frente no trilho. Afinal são 4, 3 homens e uma mulher. Um deles leva a mulher por uma mão e no braço oposto, uma carabina. Os outros 2 levam uma égua cada, sendo que uma delas vai carregada com os mantimentos que abastecem o chalet. Sigo atrás do grupo em silêncio, até que o casal fica para trás. Até chegar ao destino, o vale por onde caminhamos inflecte para a direita e deixa antever ao longe, a casa, que fica entre dois lagos, numa espécie de anfiteatro. 

Quando chegamos a dona, uma velhota simpática, diz para me dirigir à sala que fica á direita da entrada. Fala comigo em búlgaro e ri-se, como se eu percebesse tudo perfeitamente! Eu também me rio com a situação. O casal que se encontra a comer repara no meu embaraço e faz a ponte na comunicação. Peço uma sopa e dois pedaços de carne, acompanhados por um chá. A seguir a mesma velhota traz-me os lençóis e leva-me ao primeiro andar, a uma camarata com 5 beliches, dois deles já ocupados pelo casal que se encontra lá em baixo.

Saio e vou até ao lago mais distante da cabana. As nuvens começam a desaparecer e o sol ilumina pela última vez a colina, antes de se esconder. Só se houve o som da água, que escorre de todos os lados. Um denso tapete de erva circunda o lago. Deito-me, abro os braços, fecho olhos, respiro fundo e sorrio. Estou feliz! Penso na sorte que tenho, por poder estar aqui. Penso também naqueles que queriam ter só algo de tão básico como uma refeição para comer e não podem. É um pensamento estúpido, eu sei! Não posso viver a desgraça dos outros para os aliviar. Antes de me deitar no beliche que se afunda como se de uma cama de rede se tratasse ainda espreito pela janela que mostra a montanha recortada por um céu estrelado.

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