O plano inicial para os primeiros
dias de pedal era seguir para Sul e entrar na Macedónia pela fronteira Este,
mas a Iva começou a falar-me de um canyon e de um lago na zona da fronteira com
a Sérvia. Decido que vou por aí. A distância para Skopje é a mesma e eu já fiz
parte da estrada que segue para Sul, quando apanhei o autocarro para Rila. Vou
às compras, preparo tudo e despeço-me da Iva. Vou ter
saudades deste sítio. É sempre um sentimento estranho pensar quando voltarei a
ver estas pessoas. A saída da cidade é um caos… 2 faixas de cada lado, sem
espaço para a bike. Carroças, Ferraris,
camiões, motas, pessoas… tudo anda ali no meio. Depois de um pequeno engano já
estou na estrada nacional para Tran, a vila que fica a 15 km da fronteira com a
Sérvia. Está um calor infernal e as pernas ainda não estão habituadas ao
esforço. Cada vez o trânsito vai diminuindo mais e dando lugar à pacatez das
aldeias. Paro na sombra duma paragem de autocarros para comer.
As pessoas
cumprimentam-me, meio a medo. Depois de uma subida longa, o céu começa a ficar
cinzento e quando chego ao topo vislumbro ao longe trovoadas por todo o lado.
Ainda não são 4 da tarde, chego a Bresnik e há festa na cidade. Depois de
hesitar, decido meter pelo meio da multidão. Há bancas de todos os tipos, com
roupa, fruta, utensílios agrícolas e farturas. Começa a chuviscar e a trovejar.
Já não vou ter tempo de sair daqui para ir procurar um local para acampar, por
isso tento encontrar na saída da cidade algum alojamento. Não há! Mas existe o
quartel dos bombeiros. Estão 2 bombeiros à porta e meto conversa. Não falam
inglês mas por gestos lá explico que quero arranjar um sítio para meter a tenda.
Perguntam-me se tenho dinheiro fazendo um gesto com a mão e apontam para um
hotel com aspecto luxuoso no topo da colina que abraça a cidade. “Não amigos! Não
tenho muito”. Ainda tento um “choradinho” e pergunto se dá para acampar por
ali, no relvado ao lado do quartel. Nada feito “Fire here”. “Ok, já percebi que
é o quartel, paciência…”. Dizem-me para tentar na polícia e é o que faço. No
meio da rua, agora quase deserta de pessoas que fogem da chuva, vejo um carro
da polícia. Paro e pergunto por um sítio para meter a tenda. Um deles sai do
carro e faz sinal para o seguir. Vai à esquadra buscar a chave do jipe da
polícia e eu vou a atrás dele na bike. Paramos numa bomba de gasolina à entrada
da cidade. O polícia sai do jipe e dirige-se aos funcionários, depois indica-me
o relvado por detrás da casa que serve de loja. É aqui que vou dormir, seguro
porque esta está aberta 24h. Quando estou a acordar de uma sesta de 3 horas
sinto umas pancadas na tenda! Saio e vejo o funcionário a chamar-me. Está um
carro avariado a ser reparado. Sou levado até uma senhora que por ali está. É
mulher do mecânico que tenta reparar a avaria, vive a 50 metros dali e quer
falar comigo. É simpática e conversamos um bocado, depois apresenta-me ao
marido, pergunta-me se estou bem, se preciso de alguma coisa, se tenho comida e
que se quiser ou tiver frio posso dormir dentro da loja da bomba, que sempre é
mais quente. Não quero incomodar, por isso recuso gentilmente. Tento meter o
fogão de campismo a funcionar pela primeira vez mas um problema no adaptador da
botija, gasta-a em menos de um minuto. Lá se foi a comida quente até encontrar
um fogão novo. Quando rodam o turno, oiço os funcionários dizer “Politzia!”, ou
seja, “aquele gajo está ali porque foi a polícia que mandou”.
No dia seguinte acordo e ainda chove, já lá vão
16 horas seguidas. Vou ter de continuar por isso equipo-me para tal, só falta
algo para os pés por isso peço dois sacos de plástico à funcionária do novo
turno, que ainda me oferece um café. Anda-se
devagar com a chuva, entre uma paisagem que começa cada vez mais a ficar
montanhosa e bela! Passo por pessoas que caminham na beira da estrada sem
qualquer protecção para a chuva. Uma delas senta-se ao meu lado quando estou
sentado numa velha paragem de autocarro para comer algo. É uma velhota sem
dentes! Fala e ri muito. Eu só rio e digo “Sorry, english!” A estrada vai
empinando cada vez mais, tentando vencer o desnível que as montanhas
apresentam.
Quando estou a 2 km de Tran, no topo da última subida, sou mandado
parar por uma brigada da polícia de fronteira búlgara. Não falam Inglês. Por
sinais lá conseguimos comunicar. Pedem-me o passaporte. Está um ambiente
estranho na conversa e começo a preparar-me para me pedirem um “donativo”,
imaginando já mil desculpas para me safar, que estou de bicicleta, que não
tenho dinheiro! Um deles, de camisa aberta, pede-me o passaporte. Vê o nome e
confere se sou eu na foto. Outro liga para um colega que, em inglês, manda
perguntar como vim parar aqui. Digo que vou para a Itália, e que apanhei um
avião de Lisboa para Sófia. O de camisa aberta pergunta-me o nome, eu repondo,
sorriem e mandam-me seguir. Continua a chover, a tenda está encharcada dentro
do saco e acampar hoje só mesmo em último caso! Na praça central de Tran fica
um hotel 3 estrelas! Sento-me na esplanada e peço uma cola. É a forma que tenho
de aceder ao WIFI do hotel. Procuro um alojamento nas redondezas. Aqui pedem um
balúrdio, para o meu orçamento, e eu prefiro dar o meu dinheiro a alojamentos
locais, suportando directamente a economia local. Vejo que a 6 km daqui há uma
casa que aluga um dos andares a turistas e, melhor, tem cozinha toda equipada.
Reservo através da internet e 2 horas depois estou lá. Busintsi, o nome da
aldeia onde fica o alojamento, fica numa vertente montanhosa e é o final da
estrada. Sigo as indicações de uma placa de madeira e deixo o alcatrão, que
cobre só a rua principal da aldeia. Esquerda, direita, chuva, lama e estou em
frente ao portão da casa. Bato com força. À porta vem um rapaz de meia-idade.
Tento dizer que fiz uma reserva à 2 horas atrás para uma noite. Manda-me entrar!
Chama-se vasco, é o filho dos donos da casa e está de férias do trabalho como
pedreiro em Paris. Apresentações feitas, últimas limpezas e lareira a
funcionar! Está preparado um fim de tarde de descanso, a ver as montanhas a
partir da janela do quarto e a ouvir a chuva lá fora.
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